16.3.12

O belo adormecido



(...) Da história da Branca de Neve surgem algumas imagens, comuns a outras histórias. (...)

Em primeiro lugar, há um lado de Bela Adormecida que Branca de Neve não deixa de copiar. Porque é que todos parecemos tão sensiveis a esta metáfora do adormecimento que resulta, invariavelmente, pela ação da maldade? Porque, no fundo, todos reconhecemos que a maldade que nos impingem nos empanturra, por dentro, e nos afasta da inteligência e da bondade (que, curiosamente, não deixam de ser sinónimos). E compreendemos que há pessoas que - ora movidas por um narcisismo que achincalha a transparência dos outros, ora encontrando neles mata-borrões que absorvem todo o ódio com que os maus-tratos de que foram vítimas as terão despedaçado - amarfanham, destroem e nos afastam para tão longe do que somos que nos vão adormecendo aos bocadinhos.


Em segundo lugar, há sempre um beijo que nos resgata da morte. Na verdade, estaremos muitas vezes (como a Branca de Neve e a Bela Adormecida) envenenados ou mortificados pela maldade dos outros (e pela passividade de quem nos devia saber amar e, não sabendo, não deixa de nos fazer mal), que funcionam, em conjunto, como verdadeiras «forças ocultas» que nos afastam do bem. Dessa dormência letal talvez só possamos ser resgatáveis pelo despojamento e pela dedicação de quem trespasse a nossa aparência intimidante e assustada, e nos cative para a bondade e para todas as nossas qualidades de que, entretanto, sem nos darmos conta, nos fomos afastando. (...) Afastarmo-nos do que somos por dentro (a ponto de, por vezes, termos saudades das qualidades de que nos fomos divorciando) torna-nos sapos. Tal e qual o sapo da história que, depois de dar de caras com uma princesa amiga de beijoquices, quebra o seu feitiço e revela o príncipe que já fora. E se a princesa não fosse tão imprudente assim e, em vez de distribuir beijos, sem critério, lesse no jeitinho de sapo do seu interlocutor qualidades em hibernação? 


Moral da história: só quando alguém nos banha de vida promove em nós uma tal metamorfose que, ao fazer com que passemos de sapo a príncipe ou a princesa, essa pessoa só pode ser, seguramente, especial. Ou, por outras palavras, aristocrata na forma gentil e delicada com que nos resguarda, como cuida de nós e nos transforma. 


Moral da história, parte II: só o amor nos resgata do mal. E aí, assim, aproximamo-nos da magia


Nunca se Perde uma Paixão
 - Eduardo Sá -

1 comentário:

  1. E viva toda essa maia, pois precisamos dela para nos sentirmos "vivos" :)

    Bom fim de semana minha linda :)

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.