Por razões mais ou menos explicáveis e outras totalmente inexplicáveis viajei muito pouco até hoje. Aposto que se tivesse uma empregada doméstica - objeto de luxo que nunca tive, mas isso por razões completamente explicáveis que passam por não estar disponivel para pagar a alguém que faz qualquer coisa em casa pior do que eu -, com uma perna ás costas, ela já teria viajado muito mais. Em contrapartida, ao contrário de uma boa parte dos portugueses que conheço e que já viajaram o que não viajei, conheço muito bem o país em que habito, o que não sendo um feito extraordinário pelo tamanho que tem, não deixa de ser para mim motivo de orgulho. Mas vem este começo mais ou menos a despropósito do enorme significado que a vida na cidade tem para mim.
Desde muito nova, decidi que gostava de viver no campo. Não nos arredores da cidade, mas no campo, mesmo no campo, com vacas, estrume e tudo. Para ilustrar devidamente o que quero dizer, por alturas do curso tinha a certeza que quando terminasse queria ir para a zona da Serra da Estrela, comprar uma pequena propriedade entre Manteigas e a Guarda - ainda hoje sei que casa de xisto e janelas de guilhotina os meus olhos namoravam - e montar escritório naquela cidade. A verdade é que o fim do curso chegou e as razões do coração [e da bolsa] me prenderam a Lisboa e o melhor que consegui foi viver em Lisboa e ter um escritório em Sintra o que, diga-se em abono da verdade, não foi uma má troca.
Durante alguns anos, reconciliei-me com a ideia da vida na cidade e as férias e escapadelas de fim de semana longe da confusão foram suficientes para me reabastecer a alma. Devo confessar que gosto da azáfama dos centros urbanos, de uma certa confusão de gente e de espaços, dos inumeros confortos que nos proporciona e das facilidades com que nos presenteia. Mais, a verdade impõe-se, não sou hipócrita, adoro fazer compras. Para mim, para os outros e para a casa.
Mas a verdade é que, de forma totalmente inesperada, num triplo mortal com pirueta flic flac sem mãos, desde meados deste ano a vida trouxe-me de volta á equação dos dias calmos que se vivem - e sobretudo trabalham - longe dos tumultos dos grandes centros urbanos. Hoje, apesar de ser o que tenho por mais certo dentro de um médio prazo, não me vejo a regressar á vida que deixei em Lisboa.
Hoje sei, está confirmado, que não necessito da cidade para viver ou trabalhar. Necessito da cidade para me alimentar dos meus, que tanto amo e lá vivem, de cultura, de algumas compras e nada mais. Mas a verdade é que para ter tudo isso não necessito viver na cidade. Num país sem tamanho para haver longe e distância, a distância entre tudo o que desejamos não se mede muito para além de três ou meia dúzia de horas de caminho. Vai-se, desfruta-se e volta-se, num instantinho. Sei que tenho alma de lobo solitário. Venero o silêncio. Deleito-me com todas as melodias da natureza. Vivo em comunhão com aquilo a que muitos chamam isolamento e eu chamo serenidade e qualidade de vida. Para mim é uma benção o que para a maioria representa um castigo. Mas não deixo de ser critica e de achar curiosa a qualidade de urbanos que tantos se arrogam. Não vão ao teatro há anos, vêem filmes no computador ou em DVDs piratados, contam-se pelos dedos de uma mão - e sobram - a vezes que por ano vão a um concerto, não saem á noite porque a confusão é muita e estão cansados, não saem ao fim de semana para não engarrafarem nos shoppings nem no trânsito, há anos que não vão a um museu, não fazem a mais pálida ideia das exposições que os rodeiam, não se lembram da última vez que passearam por um dos parques da cidade que habitam e adiam, semana após semana, a passagem por aquele restaurante ou bar trendy que vêem de passagem das revistas que mal lêem. Basicamente, para uma boa classe de tão convictos urbanos, a dependência da cidade é pouco mais do que ilusória e a realidade é por lá vegetam em vez de a viverem, como merece e faria sentido.
Não sei o que a vida me trará nem a curto, quanto mais a médio ou longo prazo. Mas sei cada vez melhor onde e como me arrumo na incerteza dos seus dias. Hoje sei, com tudo o que me deu até agora, o que gostava que me trouxesse e acredito isso fará toda a diferença. Sei cada vez melhor aonde pertenço, com quem e onde me preencho, no que me realizo e o que projeto para o meu futuro.
Para alimentar o meu lado urbano - que é grande e muito vivido, sempre que posso - não preciso de um apartamento metido no meio da confusão. Preciso de ter uma vida profissional que me garanta algum conforto e estabilidade financeira, um dia a dia regrado e de preferência sem os desnecessarios consumos que a maioria das vidas das grandes cidades obriga, de um carro económico e de um aeroporto a alguns quilómetros de distância. Para mim, viver a cidade em Portugal é coisa que de tão vivida já não tem mistério. Que a vida me ajude a realizar o que longe dela projeto, para que possa viver outras grandes cidades mais vezes e mais de perto, é tudo o que lhe peço.
Viver 300 dias em paz e descanso e dividir os outros 65 por cidades a sério é o meu grande e convicto projeto de vida. Para mim, para a minha M. e para quem dele quiser fazer uma importante parte, numa vida a dois.
é bom saber o que se quer. é o primeiro passo para caminhar na direção "certa"... eu acho que começo a descobrir o que quero, se bem que há quereres que talvez já não estejam ao meu alcance. a vida vai mostrar-me se sim ou não.
ResponderEliminarum beijo
A., desde que lutes por aquilo que queres, tenho a certeza que o que a vida te trouxer vai ser exatamente aquilo que necessitas. Embora nem sempre estejamos em condições de o perceber no momento, a Vida escolhe sempre o melhor para nós. Assim consigamos identificar as oportunidades que nos apresenta quando, aparentemente, não satisfaz os nossos desejos :)
ResponderEliminarUm beijinho muito grande, e força nesse caminho!
M.
Para quem te conhece, não estranha o sentimento que este texto difunde.
ResponderEliminarDepois de o ler e reconhecer-te em todas as palavras lidas, fico sem palavras (coisa rara, diga-se …) para conseguir dizer seja o que for. Li e reli no intuito de deixar um comentário e nunca o deixei, hoje resolvi voltar, não para comentar, mas só para dizer que li, gostei, reconheci as palavras na mulher que és e na amiga que ganhei.
Beijo!
Meu querido amigo J.
ResponderEliminarEu acho que de tão particular, nem é comentável. Foi apenas, como em tantos outros casos, o registo neste meu diário de viagem de um momento na minha vida que, estou cada vez mais certa, é de grande viragem. O Tempo, o meu querido e antigo amigo Tempo, dirá.
Obrigada por tudo, pelas palavras mas sobretudo pelo teu carinho sempre tão próximo. É bom ter quem nos leia a alma :)
Beijo imenso, meu querido Amigo!
Querida M.,
ResponderEliminarAdorei o texto e identifiquei-me bastante! É importante saber o que queremos para podermos lutar por isso.
beijocas, um excelente Natal no calor dos que amas*
T.
Obrigada por te teres dado a conhecer um pouco mais.
ResponderEliminarClaro que me deixou a pensar, não tanto em ti mas mais em mim. Parece egoísmo mas não é. Os grandes textos servem mesmo esse propósito.
Durante anos e anos sabia onde pertencia. A um sítio cosmopolita e intenso. Cheio de barulho e muita vida. Mais tarde pus-me a pensar se seria para preencher algum vazio interior.
Agora podia dizer-te que prefiro o campo, ou isto ou aquilo. Mas a verdade é que descobri que a minha casa estará onde estiver o meu coração. Mesmo que pareça ridículo é a mais pura das verdades.
Duchess,
ResponderEliminarA minha casa também está exatamente onde o meu coração estiver e, por isso mesmo, sei que esta opção/visão de vida é também ela, por razões que só o tempo responderá, uma opção em aberto.
Por outro lado, sinto e acredito neste momento, de uma forma e por razões que a razão não explica, que é neste cenário que o meu coração vai morar... but only time knows and only time will tell...
Há que começar por algum lado :)