Incerteza, parece ser a palavra-chave por estes dias. Dúvida, também se aplica com frequência.
Durante anos e anos - desde o fim da segunda guerra mundial, para sermos mais concretos - a vida do mundo assentou, ainda que com um ou outro episódio pontual, numa aparente estabilidade financeira que convenceu tudo e todos que a vida era sempre igual. Corriam-se riscos calculados e para tudo, praticamente tudo, havia rede. Aliviado o stress traumático do pós guerra, reconstruídas que foram as principais economias, fez-se questão de crescer numa prosperidade que conduzisse ao reinado do supérfluo permitindo, quer se pudesse almeja-lo ou não, que todos lhe tivessem acesso. Assim se alimentou uma boa parte do mundo, a balões de soro e transfusões de sangue, até a estes dias.
Há 60 anos atrás, uma boa parte das pessoas que conhecemos - falo dos meus pais, por exemplo - apesar das dificuldades que tinha de superar no seu dia a dia, num país onde não abundava riqueza mas, em compensação, muita pobreza de espírito, tinha como metas de vida um emprego - facilmente garantido e estável - um casamento e um ou dois filhos. De degrau em degrau, na cadência dos que lhe haviam sucedido, esta escada da vida era subida, sem grandes percalços. Vieram depois as casas próprias - ou melhor, hipotecadas ao banco e á ilusão de que por isso se tornavam nossas - e os carros, que rapidamente deixaram de se sentir necessários em segunda mão. Logo a seguir as viagens, as férias no estrangeiro, os móveis renovados, os eletrodomésticos e gadgets de última geração. Não fosse o pequeno pormenor de meio mundo não ganhar efetivamente para pagar tudo isto e viver sustentado pelo recurso ao crédito, rigorosamente nada disto teria algum mal. Antes pelo contrário. Mas não é essa a conclusão da história e o resultado está á vista. Os riscos não foram calculados e, menos ainda, acautelados. Como diz o ditado em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Atrevo-me a dizer que pão até há, e manteiga ainda não falta. Pode faltar o queijo ou o fiambre, mas á fome só morrem os que já morriam e aparentemente, até agora, ninguém se preocupava muito...
A histeria da incerteza não tem efetivamente a ver com fome ou pobreza iminente. Tem a ver com perda de uma estabilidade que apenas para uma exceção era - e continua a ser - real e não aparente. O desnorte a que se assiste vem do facto de a vida se estar nas tintas para a nossa necessidade de segurança, aos mesmo lugares, ás mesmas pessoas, aos mesmos confortos, aos mesmos empregos. Mas está agora, como estava antes. A única diferença é que os bancos incentivavam e pagavam as ilusões e agora, antes que lhes falte o caviar para por nas tostas, fecharam a torneira com o argumento de que secou a fonte.
Ainda no outro dia o disse por aqui e não me canso de o dizer, embora muita gente discorde da minha opinião. A geração dos nossos filhos vai ter um futuro muito mais fácil. Mais leve, porque mais verdadeiro e ajustado á realidade. E em nada considero que isso comprometa os seus e os nossos sonhos. Antes pelo contrário. A grande diferença, talvez a grande conquista dos tempos que atravessamos em relação aos seus, será a noção de risco. Enquanto nos ensinaram que quase nada tinha risco, porque havia sempre uma rede ou mão por baixo, eles serão incontornavelmente levados a tê-lo por adquirido, a assumi-lo e a calculá-lo. Vai ser uma vida muito mais desafiante, é verdade. Mas muito mais genuína, também. Agora que deixamos de nos embalar com contos de fadas e que já sabemos que os empregos, os ordenados, os lugares cativos - no espaço e nas vidas de outras pessoas - não são para sempre, que rigorosamente tudo o que começa também acaba e, sobretudo, que nesse ciclo há coisas que não dependem inteiramente de nós, vamos escolher uma vida mais improvisada o que não implica necessariamente que se torne provisória. O para sempre será a capacidade de adaptação ás circunstâncias e não a imutabilidade de um estado ou condição.
Seremos mais capazes de enfrentar as incertezas, as dúvidas, as mudanças, porque muito mais capazes de ser quem genuinamente somos e não quem aparentamos. Seremos capazes de errar e ter muito menos medo disso. Em tudo, creio.
Como diria Eduardo Sá, o futuro aceita pessoas imperfeitas.
Finalmente, diria eu!
Sim, também acho que eles terão uma noção mais real do mundo, e saberão lidar com isso. Talvez sejam eles a geração que marcará a diferença.
ResponderEliminarApetece-me ficar por aqui embalada por este teu texto. A minha parte que é alimentada pela saudade e pelo fado desconfia e continua a temer o pior. A outra parte que teima em romper as trincheiras do corpo e da alma delicia-se com o que lê e acredita que é mesmo assim.
ResponderEliminarGosto desta ideia, da qual também partilho de que less is more. Mas não posso deixar de ter pena pelas viagens que sei que já não farei. Para mim, ter mundo não é uma superficialidade.
Amiga… minha querida amiga, é este teu jeito de escrever e descrever os teus pensamentos, agregado aos bons momentos de partilha que desfrutámos (saudades!), que me fazem achar-te uma pessoa única e especial… é esta tua forma de dançar na vida, ao invés de a escalar (como muitos querem fazer crer) como se de uma montanha se tratasse que me fazem “apaixonar” pela pessoa maravilhosa que és.
ResponderEliminarBeijo!
Duchess, não posso estar mais de acordo que ter mundo, viajar, não é superficilidade. Mas acredito que nem isso eles perdem, provavelmente ganharão ainda mais e mais cedo que nós... o mundo vai ser muito mais lowcost e eles muito menos... complicadinhos ;)
ResponderEliminarQuanto a ti, logo tenhas os teus principes e princesa mais crescidos... é só por uma mochila ás costas!
Amigo... meu querido amigo... não tenho palavras para te responder e agradecer... em compensação tenho esta enorme cumplicidade e amizade, este carinho imenso e o desejo que possamos partilhar muitos dos momentos felizes que tanto mereces.
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