Impulsionada pela notícia de hoje da morte de Withney Houston e por um post que comentei na 6ª f num dos blogues que há algum tempo me acompanha e acompanho, em que a MJ dava conta da sua dor e indignação pela partida antecipada e impulsionada de um amigo, ocorre-me a abordagem de um tema á volta do qual ainda gravitam, em pleno séc. XXI, muitos mal entendidos. Falo do suicídio.
O suicídio é, antes de mais, o produto de uma sucessão de desamparos e desilusões que se traduzem numa série de desistências que culminam numa iniciativa final.
Todos os que lidam de perto com áreas como a psiquiatria e a psicologia sabem que o suicídio é, acima de tudo, uma necessidade de continuar a existir, fazendo da morte o prolongamento de uma presença, em que o autor encontra a paz que há muito lhe falta e quem fica uma eterna necessidade de reencontro. Morrer é, em qualquer caso, a forma de nos mantermos eternamente vivos na memória.
Muitas das pessoas que cometem o suicídio deixam na sua partida um rasto de incompreensão, indignação e mesmo revolta em quem fica. É muito frequente ouvir-se da boca de um amigo ou familiar de alguém que toma esta decisão frases como não percebo, era uma rapariga tão feliz, andava sempre a sorrir, era uma otisma e passava a vida a ajudar os outros; não compreendo, ainda ontem falei com ele, era uma pessoa para quem estava sempre tudo bem, sempre de bem com a vida; estou revoltada, queria ter ajudado a minha amiga e não me perdoo por não ter percebido que não estava bem; tinha tudo, não lhe faltava nada, era bom aluno e tinha muitos amigos, não percebo, se tinha algum problema assim tão grande para tomar esta decisão, podia ter pedido ajuda… não há nada que não tenha solução…
Estas e outras frases são recorrentes. Quer se refiram ao suicídio adolescente, quer ao suicídio cometido em plena idade adulta.
De uma certa forma ingénua e mal informada, o suicídio continua a ser maioritariamente conotado com personalidades borderline, com comportamentos dependentes e personalidades excessivas, com gente depressiva e gente que apenas quer chamar a atenção.
Um dos mais perversos mitos talvez seja esse mesmo. É esse que faz com que tantos sinais e sintomas enviados em circuitos de amigos e família sejam ignorados sucessivamente, desistência após desistência. E se é certo que muitos desses sinais são praticamente impercetiveis, é também verdade que muitas das vezes, as pessoas que temos mais por perto, mesmo sem se dar conta, fazem de nós uma leitura que não passa da superfície. Leem, sobretudo, o que as tranquiliza e conforta. Não é por mal. A maioria das vezes, é apenas por falta de jeito. A mesma falta de jeito com que lidam com os seus fantasmas, dúvidas e aflições e que as leva a olhar para outras pessoas como uma espécie de heróis a quem quase tudo passa ao lado, porque para essas pessoas a vida não tem lado B.
Naturalmente que uma boa parte dos suicidas são pessoas com comportamentos psicóticos, nunca devidamente acompanhados. Mas sobre esses não se ouve o espanto perante o ato. Lamenta-se, mas enquadra-se.
É importante que se tenha consciência que para aquelas que, aos olhos dos outros, tomam uma decisão tão inesperada quanto surpreendente, a decisão tem muito pouco ou nada de impulsiva ou inconsequente. Naturalmente que quando falamos de um adolescente sabemos de antemão que num certo grau de imaturidade, numa personalidade que se está a formar e em pleno estado de ebulição, a decisão de por termo á vida tem sempre uma franja de inconsequência. O adolescente vive, por natureza, num estado de tudo ou nada, onde a dor emocional pode atingir proporções muito maiores do que tem na realidade.
Mas, em qualquer caso, um suicídio é, será sempre, o somatório de uma série de desamparos emocionais, de uma sucessão de tentativas falhadas para suprir um vazio interno, muitas vezes ocasionado por um estado um esvaziamento do mesmo em busca das expetativas dos outros, que faz com que o seu autor seja visto aos olhos dos demais como uma pessoa de bem com a vida e sempre orientada para o bem estar alheio.
O suicida não portador de qualquer patologia psiquiátrica tem, sempre, uma relação muito sensível com a vida, que lhe permite ver para além dos olhos que o olham. E ver para além do visível é, infelizmente, em alguns casos ou fases da vida, mais uma desvantagem do que um privilégio. Trazer a vida á flor da pele é algo que é preciso aprender a gerir e há quem desista antes de o conseguir.
Porque a problemática do suicídio tem, antes de mais e acima de tudo, uma fonte relacional, é na forma como cada um se permite, ou não, ser afetado ou infetado com o alheamento dos outros que está a solução.
O suicida não portador de qualquer patologia psiquiátrica tem, sempre, uma relação muito sensível com a vida, que lhe permite ver para além dos olhos que o olham. E ver para além do visível é, infelizmente, em alguns casos ou fases da vida, mais uma desvantagem do que um privilégio. Trazer a vida á flor da pele é algo que é preciso aprender a gerir e há quem desista antes de o conseguir.
Porque a problemática do suicídio tem, antes de mais e acima de tudo, uma fonte relacional, é na forma como cada um se permite, ou não, ser afetado ou infetado com o alheamento dos outros que está a solução.
Se apenas ele nos devia trazer á vida, decidida e incontornavelmente, só o amor nos pode salvar, antes de mais, de nós mesmos. Falo, mais do que o amor dos outros e do amor á vida, do amor próprio. Não falo de amor egocêntrico. Os egocêntricos de mal com a vida são mestres nas ameaças de suicídio e na arte da chantagem para captar atenção. Verdadeiros peritos nas tentativas falhadas de consumação, que em vez de morrer matam devagarinho que têm á mão.
Se é bem verdade que para tudo há solução é também verdade que optar por partir significa deixar de acreditar que vale a pena tentar encontrá-la, uma, outra e mais outra vez. É nesse dia que as reticências passam a ponto final, semeando atrás de si pontos de exclamação e todas as interrogações que não foram feitas até então. No fundo, tudo se resume á frase na imagem inicial... Pensem nisso.
Acrescento muito pouco a este teu texto, apenas que quando é um adolescente, mesmo vivendo no tudo ou nada, não penses jamais que a idade deixa de ter peso, quando se vive com as emoções à flor da pele, porque nessa altura a adolescência na sua forma de um número do BI desaparece, e cresce-se muito mais depressa. E acaba-se por não se ter 13, 14... mas muito mais. Jamais um acto de suicidio é impensado, é um acto de quem já não aguenta mais, e não encontra mais soluções para continuar a viver, e acredita que isso é em qualquer idade.
ResponderEliminarComo muito bem dizes, o amor próprio é algo complicado de gerir, quando se tem uma relação sensivel com a vida.
Beijinhos em ti! :-)
Sus, concordo absolutamente contigo. Não pretendi com a referência minimizar ou desvalorizar o sofrimento de um adolescente nesta tomada de decisão. A referência é objetiva: na adolescência achamos sempre que já sabemos e vivemos tudo, para o bem ou para o mal e isso, quer queiramos quer não, é uma limitação que só passando dessa fase da vida compreendemos como tal.
ResponderEliminarBeijinhos
Engraçado que quem comentou tenha fixado acima de tudo o "viver à flor da pele". Porque é disso que se trata. Escrevi, acho que no "Verdade ou Veneno" que percebo. "Quando se fazem contas à vida e deste lado se fica com menos".
ResponderEliminarO suícidio. Percebo no sentido de não o condenar. O suicídio é tabu, continua a ser tabu. Nos jornais, na TV, não se fala sobre suicídio como tema de fundo. Não se fazem reportagens sobre o assunto. Dizem que para não "incitar ao acto". Como se fosse assim tão simples. Decidir por esse último acto é demasiado complexo. As contas que cada um faz são as contas de cada um. E eu só tenho realmente muita pena de quem, as fazendo, fica com tão pouco do lado da vida!
Óptimo post, como sempre, Margarida.
M.
ResponderEliminarEu sei que querias dizer isso, mas acredita sei desse tema um pouco mais do que exponho aqui, e posso dizer-te, na juventude realmente a gente acha que somos eternos, mas quando se passa à beira do abismo, o mundo do conhecimento desaparece para dar lugar a um sofrimento maior que é viver, num estádio desses, pouco importa o que conheces da vida, se respirar quase te sufoca... tudo o resto é de natureza insignificante. E sim, quase nunca os que rodeias as pessoas nesse sofrimento se apercebem da profundidade desse estado, e por isso, o ar de indignação quando tal sucede, porque parecia um jovem tão feliz...
Beijinhos de bom domingo!
A música que escolheste é fabulosa!
(enquadra-se no tema)
Paula,
ResponderEliminarAvança um artigo!
E obrigada pelo comentário... vindo de quem vem... ;)
Sus,
ResponderEliminarAcredita que compreendo tudo o que dizes.
Outro!
Nem sei bem o que diga...
ResponderEliminarDesde a morte do Robert Enke que ando para escrever sobre o tema. Mas está tudo aqui.
Acho que para uma pessoa se suicidar tem que chegar a um grau de saturação gigantesco... e ter uns grandes tomates!
Ao contrario do que a maior parte das pessoas acham, vejo o suicido como um acto que requer muita coragem!
Beijinho
Ora aí está um texto que aprofunda e dá uma opinião muito profunda sobre o suicídio.
ResponderEliminarConcordo com o Miguel quando diz que é um ato de coragem. A coragem empurrada pelo desespero, pela desistência e pela cobardia de enfrentar e procurar uma solução. Só mesmo alguém a precisar de muita ajuda que talvez tenha chamado por ela e provavelmente, ninguém ouviu.
Beijinhos
Bem escrito.
ResponderEliminarTenho pensado muito no assunto, e tens razão em muito do que escreves.
Muito lúcida como sempre Margarida.
Ás vezes parece mesmo a unica solução...
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