Era inevitável procurar numa longa caminhada um momento de diálogo com a Vida. Saímos, como sempre andamos, de mão dada. Mesmo quando fala num léxico que não compreendo ou usa e abusa de estranhas parábolas, eu e Ela temos a benção de um amor incondicional e cúmplice. Saímos. Impunham-se senão as respostas que necessitava, pelo menos sinais possíveis para a tomada de duas ou três decisões estratégicas. Tempos de espera razoáveis. O peneirar das reais oportunidades na fina rede das opções. Ela sabe que não desisto dos sonhos mas sabe também, e bem, o quanto sou pragmática. Impunha-se uma conversa séria e prática sem complicadas equações.
Decido percorrer a pé o caminho entre Belém e o Chiado. As pessoas com quem me cruzo, seja a caminhar, a correr, a andar de bicicleta ou sentadas pelos bancos frente ao Tejo, não são todas profissionais liberais bafejadas com a sorte de não ter horários rígidos, a aproveitar o dia para apanhar sol. Estão como eu e são às dezenas, a maioria, como eu, na casa dos quarenta. E para onde caminhamos nós, pergunto-me?...
Vamos lá, falemos do medo. É medo o que tens, rapariga?... Não, concluo. O que está em cima da mesa não é medo de partir, de estar a milhares de quilómetros de distância. Não é medo do desconhecido, nem da mudança. Esse, se alguma vez o tive, a experiência de vida recente apagou a memória de como era. O que me prende nada tem a ver com o medo, essa é uma certeza. O que me prende é a falta de pele, do calor, do toque, do abraço, do beijo, do anda cá com que se coloca quem é a nossa Luz debaixo da asa, quando um problema atormenta. O que me prende é ter de equacionar só ter e proporcionar isso, na melhor das hipóteses, duas vezes por ano.
Penso no skype e num avião que se apanha numa emergência. Penso no melhor que a mudança nos pode trazer, penso no tempo que passa depressa, penso nas férias. Mas entretanto, penso também que não é justo. Que não é justo ter tanto para dar, tanto para fazer e ter de partir para o conseguir. Que não é justo ter que estar neste ponto, nesta altura da vida, quando se fez e faz tudo para não estar. Mas o que é afinal justo, pergunto eu?... É justo um pai ver um filho sofrer com uma doença implacável e morrer? É justo um acidente parvo na estrada ceifar a vida de alguém que amemos? E quantos desses há, a esta hora, que dariam tudo para trocar de injustiça contigo?... O que é isso da justiça, que medida lhe damos, nos casos extremos? Como fazemos contas à vida?... Talvez nada disto tenha afinal a ver com justiça ou falta dela, mas com as circunstâncias que temos de enfrentar e às quais nos adaptamos ou não. Se contra factos não há argumentos e tu não pertences ao grupo dos que se focam nos problemas, tens então de olhar a besta de frente. Pegá-la pelos cornos, seja lá o que for que se siga, parece ser a única solução.
Entre os comentários ao post anterior que vou lendo no telemovel, a pertinente questão sobre quem nos disse que a vida era fácil. A mim, ninguém, respondo eu em pensamento. De onde venho sempre se teve que lutar por aquilo que se conquistou e, mesmo sendo filha única, nunca fui habituada a que o bem-estar caísse do céu. A mesma educação dei e dou à minha filha. Mas lutar, resistir e acreditar, cada vez menos se revela suficiente para assegurar sequer o básico. Isso é o mais preocupante. E se o futuro a Deus pertence o Presente somos nós quem o decide.
E é isso, Vida... diz-me lá tu, dá-me pistas, o que decido eu?...
E como se de alguma prova necessitasse para acreditar que esta Vida com que dialogo, mesmo quando está caladinha que nem um rato, é feita de amor e está sempre atenta, eis que mal acabava a primeira etapa da caminhada e chegava ao Chiado, a magia, de que outro comentário falava e me desejava de dedos cruzados, aconteceu. Um e-mail que inesperadamente chegava ao meu telemóvel trazia a resposta que hoje, precisamente hoje, mais precisava... E tão clara foi a forma que ignorá-la seria uma ofensa a tudo aquilo em que acredito de coração.
Entretanto, enquanto falava demoradamente ao telefone com um querido amigo, era nesta frase que os meus olhos pousavam. E é verdade. Mas é em ti, querida Vida, que a minha alma se abriga e acalma nas piores horas. Obrigada.
[da playlist que me acompanhou, esta é a banda sonora deste post]
este texto deixou-me sem palavras.. (porque fico sempre sem palavras nestes momentos?) talvez por sentir em silêncio aquilo que dizes. Segue a tua intuição, e tenta viver como uma criança (afinal eles correm e vão atrás das coisas sem pensar).
ResponderEliminarum grande, grande beijinho.
deixo-te com uma música que gosto de ouvir naqueles dias em que nos sentimos sem rumo.
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=gUlHcehNRPQ
Caso o link não funcione a música é a Pig da Dave Matthews Band ( e não ligues ao título ;)
beijinhos