Vejo com frequência, mais do que nas palavras, nos silêncios, e em muitos comportamentos e outros tantos gestos - oh como falam pelos cotovelos sem dizer uma palavra, tantas pessoas, julgando que ninguém dá por isso - uma complexidade de perguntas que se atropelam como se fosse muito importante encontrar no retorno as respostas que esperavam, sobretudo as que socialmente estão pré-definidas na linha pura e dura da causa-consequência que as suas pobres vidas conhecem.
Por que sorri se ninguém lhe conhece quem lhe aqueça os pés e diga coisas bonitas mal acorda pela manhã ainda despenteada? De onde lhe vem tanta felicidade se está desempregada? O quê ou quem a faz ter vontade de sair lavadinha e aprumada logo pela manhã? Porque razão se maquilha e faz a depilação se não anda à procura de engate? Haverá mouro escondido ou só se dedica a fazer teatro para fingir que é feliz? Pele tratada? Noites bem dormidas? Brilho no olhar? Aquilo será mania das grandezas, ego alterado ou comprimidos cor de rosa?...
Tantas perguntas sem resposta à medida destas mentes brilhantes... tanto trabalho intelectual desperdiçado, minha Nossa Senhora da Agonia! Assim se esforçassem no trabalho ou em prol da sua própria vida!
Pois que é verdade. É verdade que nem todas as pessoas que gostam de se sentir amadas têm necessidade de ter quem lhes aqueça os pés à noite para acordarem de bem com a vida. Há quem confunda estar só com solidão, mas a confusão já está há muito esclarecida e deve haver para aí uma centena de livros na Fnac ou na Bertrand que desmontem isso. É comprar, minha gente, que o saber só ocupa lugar nas prateleiras ou na memória do kindle. Além disso, estar só não torna, por si só, gente que preza o amor acima de tudo em fêmea ou macho disponível. Essa parte percebem, não percebem? Yeaaah! Right!
Estar desempregado também não é exatamente o mesmo que estar desocupado, nem deixar de ter objetivos, nem deixar de ter sonhos, nem deixar de ter metas, nem deixar de ter motivações para lutar todos os dias com o que se tem à mão para superar as dificuldades de um momento da vida. Estar empregado e gastar mais do que se ganha, ou passar a vida a lixar a vida ao colega do lado, ou a dizer que o carro ficou trancado por um vizinho incauto, ou que afinal é a unha do pé que se tem encravada ou que a criancinha se vomitou toda logo que o carro arrancou, tudo para justificar os atrasos sucessivos, é muito mais deprimente e perigoso, porque tem efeitos duradouros e a longo prazo.
E sim, existem algumas pessoas que não tomam banho, nem se perfumam, nem se cuidam para que os outros gostem ou reparem em si. Há um bando de desaustinados que faz isso, imagine-se, Virgem Maria, por prazer próprio e autoestima. Porque lhe é importante gostar do que veem ao espelho sem ter relações de dependência com o ego, os elogios de terceiros ou versões patéticas de perfeição. E não, não é para provar nada a ninguém, nem para ser melhor que ninguém - sim, há gente que não sente necessidade de participar nos cada vez mais recorrentes concursos para ver quem a dita mais grande que ocupam tanto tempo e espaço virtual. Porque há gente que se está mesmo a borrifar para o que os outros pensam de si, apesar de se magoar com juízos de valor apressados e leituras estrábicas da vida, acreditem.
É verdade, é mesmo verdade, acreditem, há gente que vive de bem com a vida sem trazer atrás de si relações mal resolvidas. Que consegue, muito para além das razões definitivas que conduziram ao fim de uma relação que se começa sempre na convicção de um para sempre, ter uma relação com um ex melhor do que a que tinha antes de uma separação sem que isso signifique, de parte a parte, algum pensamento ou desejo, sequer ténue, de reconciliação. Nem todas as pessoas usam os filhos para outra coisa que não seja honrar um amor em que um dia se investiu e que viu dele resultar um fruto desejado. E também nem todas as pessoas que sofreram o inesperado fim de um grande amor andam revoltadas, frustradas, ressabiadas, mal-humoradas e a lixar a vida a quem se lhes atravessa à frente, nem a desejar infelicidade a quem tem o que lhes fugiu. Às vezes as pessoas, certas pessoas, aquelas que quando se entregam é porque acreditam de corpo, alma e coração, andam tristes porque a vida lhes prega uma partida e elas têm de fazer um caminho que as conduzirá dos porquês aos para quês e esse caminho, sendo absolutamente fundamental, é muito duro. Mas ser azedo e andar triste são coisas de galáxias diferentes. Andar triste é acordar todos os dias com a mesma vontade de viver e saber que é com a realidade que se vê em frente ao espelho que se tem de conviver. E há dias em que, em frente a esse espelho, por exemplo, faz falta o rosto de outra pessoa. Apenas isso. Que há um tempo para viver o luto e que não vale a pena negar. E há sempre um dia em que a ausência deixa de fazer mossa porque há que seguir em frente e aceitar que as coisas são como são e não como desejaríamos que fossem. E aí, a tristeza parte e os dias recuperam toda a luz que lhes é habitual.
Não, nem todas as pessoas precisam de comprimidos cor de rosa para ver a vida a cores. Com todo o respeito por quem deles muito necessite - que são apenas uma pequena percentagem do universo crescente dos que os consomem, mas há -, acreditem que há muito boa gente para quem o único comprimido eficaz se chama amor à vida e que é esse que as faz acordar todos os dias com vontade genuína de agarrar os dias com muita alegria e muita força. E de os enfrentar com dignidade e a sabedoria - que os anos felizmente vão dando - nos momentos mais difíceis, sem fazer de conta ao espelho que não há lágrimas nem cansaços. Porque há momentos que nos vergam, quase partem, tal é a força do vento das adversidades, mas há gente que se dedica com devoção e verdade à vontade de morrer como as árvores. De pé. E não, não é por orgulho. É por fé.
E pronto, é isto, não vale a pena fazerem contas de cabeça. Já há muito se percebe que para alguns 1+1 é igual a 3. Vão por mim, não vale a pena, deixem lá a matemática e dediquem-se a outra coisa. À agricultura, à pesca, à pecuária, a qualquer coisinha mais útil e prática. Não fiquem tão assustados e ensombrados com a felicidade alheia. Quem é genuinamente feliz nunca constitui outra ameaça que não seja a de poder contagiar positivamente outros com isso.
É só isto. E sendo só um conjunto de constatações de facto, façam de conta que é um recado. E que está dado. Agradecida.
Agora tomem lá uma música bonita. Que, como a minha querida avó sempre dizia, quem canta, seus males espanta. E muito cantou ela na vida!
Agora tomem lá uma música bonita. Que, como a minha querida avó sempre dizia, quem canta, seus males espanta. E muito cantou ela na vida!
Ainda bem que há pessoas que marcam a diferença. E naturalmente, sem ter que se esforçar muito.
ResponderEliminarBom dia, e se fores como eu, essa fúria passa em pouco tempo, basta respirar um pouco de ar puro ou dar um sorriso há primeira pessoa por quem passares ;)
Não sendo rapaz de cantar, no meio de um grupo animado, sou menino para abrir a boca e fingir que acompanho. Há ano e meio tive o prazer de o fazer por diversas vezes ao lado dos pais do David. Justiça lhes seja feita, o moço tem a quem sair.
ResponderEliminar:)
.......
"Quem é genuinamente feliz nunca constitui outra ameaça que não seja a de poder contagiar positivamente outros com isso."
Gostei desta frase, aliás, gostei do texto todo.
O recado foi bem entregue.
:)
Palavras tão bem escritas. Tanta gente infeliz que por aí anda..e a felicidade dos outros dá "comichão"... :) Obrigada pela partilha, Joana
ResponderEliminarÉ bom ver pessoas assim!
ResponderEliminarApesar das adversidades da vida é feliz!
Gosto muito da forma como escreve!
:)
Se essas pessoas a quem passaste o recado pensassem mais na vida delas do que na dos outros, mesmo que não sejam muito preenchidas, seriam certamente muito mais felizes, teriam certamente mais obectivos na vida e desafios a a conquistar e acordariam com um sorriso bem largo, porque estão vivos e a vida pode ser muito boa para quem a sabe viver.
ResponderEliminarExcelente este teu texo!
beijos
texto lindo porque a escrita também é linda e esta só é assim, porque quem a escreve pena assim e é assim também. bjos. isabel
ResponderEliminarEste texto é lindo, lindo, lindo e tão significativo. Mereceria honras de ser esbulhado em qualquer disciplina do secundário. Onde as mentes ainda são tenras e passíveis de orientação. Faria bem a tanta gente reflectir um pouco sobre ele.
ResponderEliminarGostei particularmente desta frase:
"(...) Quem é genuinamente feliz nunca constitui outra ameaça que não seja a de poder contagiar positivamente outros com isso.(...)"
Mas a amargura de muitos tolda-lhes o discernimento. Se não te importas vou postar no meu blog sobre este teu post.
Não vale a pena dar importância a quem de facto não é importante!
ResponderEliminarÉ uma das formas seguras de sermos felizes!
Espero que depois deste desabafo "o sol tenha de novo entrado" :)
Assino por baixo, concordo contigo. Gente má e mesquinha haverá sempre e segundo conta... andar triste, infeliz, porco, desleixado, com um ar desgraçado e mal com todos e com a vida não resolve rigorosamente nada, só inferniza quem nos rodeia, e faz a desgraça pesar nos ombros muito mais. Sorri,tens um sorriso maravilhoso, feliz e contagiante que espalha amizade e bem estar por onde passa.
ResponderEliminar"Somos o resultado daquilo que deixamos que a vida faça connosco" esta frase é minha e guio-me por ela. Só somos coitadinhos, tristinhos, assim assim e mais ou menos... se persistirmos nesse modelo.
Cabeça levantada, costas direitas e mangas arregaçadas a vida faz-se vivendo-a e retirando partido de todas as coisas boas que ainda vamos tendo, e que afinal até não são assim tão poucas.
Beijo enorme.
Adorei ler-te, e alguém lhe serviu a carapuça hehehehe. Nice!
consta* Correcção de erro
ResponderEliminarEste texto, como tantos outros tem o dom de me contagiar com essa felicidade boa. De me fazer pensar que, afinal, no meio da adeversidade, a vida também pode ter e fazer sentido.
ResponderEliminarMuitas felicidades é o que sempre desejo. Hoje e sempre!
António
Obrigada pelos comentários deixados.
ResponderEliminarNada a acrescentar :)
Não poderia estar mais de acordo! :)Adorei o post!
ResponderEliminarVou partilhar no meu blog.