A minha mãe costumava dizer que tinha medo de não me ver ter medo.
Como se poderia dizer por estes dias, o medo é coisa que não me assiste. Isto não quer dizer que o meu grau de temeridade ameace o mais puro instinto básico e que me faça ficar à mercê dos perigos desnecessários. O medo que não me trava nem nunca travou é o medo supérfluo, aquele que resulta das defesas contra a própria vida e não em defesa da vida. O outro, o instintivo, o animal, o que nos alerta para os perigos reais de forma tão direta como subliminar, esse, felizmente esteve sempre presente na minha vida.
Caminhar sozinha nunca me assustou. Na realidade, os 41 já são uma idade de conforto para fazer retrospetivas analiticas e, quando olho para trás, percebo que uma boa parte da minha vida, das grandes lutas e dos grandes desafios foi feita nesse registo. Não é um lamento, muito pelo contrário. É uma constatação de facto sobre a minha experiência de vida. E quando falo em caminho solitário não falo propriamente na total ausência de pessoas que me tenham acompanhado ao longo do trajeto. Não, de todo. Tenho uma familia pequenina mas presente e um punhado generoso de amigos que estão e estiveram muitas vezes lá.
Mas caminhar sozinho é muito mais do que não ter gente à volta. É ter um grau de autonomia que nos permite e nos interpela a chamar a nós o processo completo da caminhada. Nesse aspeto, apesar de ser uma grande adepta dos trabalhos de equipa, o meu grau de independência sempre se sobrepôs. Talvez por muito cedo ter percebido que nos momentos de dificuldade e incerteza já nos basta o desamparo que sentimos. Contar com os outros e ficar agarrado, por ação ou omissão, como tantas e tantas vezes acontece, soma um desamparo que é a maioria das vezes o pior de gerir e digerir. E se é assim, que venha o caminho por nós traçado e com ele as consequências, mas que dependa de nós e das nossas ferramentas a continuidade e sobrevivência pelo meio das adversidades de cada momento. Certamente por isso e só por isso, nunca ninguém me ouviu queixar e a maioria dos que me rodeiam - inclusivamente dos mais próximos - desconhece as montanhas que já movi em silêncio ou entre dúvidas e lágrimas a tatear terreno nos dias em que a luz se ausentou. E se além de mim só o chefe lá de cima sabe o que isso custou, ambos sabemos também que essa foi a forma exata de cumprir o caminho de quem sou.
Se prefiro fazer o caminho só ou acompanhada? Acompanhada e de mão dada, de preferência. Sei hoje sem sombra de dúvida, com saber de experiência feito, que não necessito que me puxem nem me empurrem. Conheço de cor e salteado a cadência da vida, os ciclos e ritmos dos dias, sei acelerar ou abrandar a passada, consoante o que exige de mim. Para caminhar acompanhada uma mão basta. Não preciso nem quero que caminhem por mim.
Nunca tive medo de caminhar sozinha. Tive momentos de incerteza, de duvida, sem saber se o conseguia, isso sim! Desses, tive à pazada! Mas talvez justamente por isso, por todas as vezes a barreira da dor e da incerteza terem sucumbido perante a certeza de que apenas eu que o podia descobrir e que essa descoberta só se faria não temendo e não fugindo ao desafio, talvez por isso, haja agora um medo pequenino que se vá instalando e com ele uma dúvida quase existencial de que me temo tornar refém...
Dentro de mim, a outra mão, já vai chegar tarde demais?
Da ausência de medo resulta afinal um medo (tamanha bizarria!): o de ter aprendido a gostar demasiado de caminhar sozinha.
Freud explicaria...
Sem que façamos o caminho verdadeiramente sozinhos, não é menos verdade que muitos são os momentos em que nos sentimos assim, à medida que o percorremos. E dizer-lhe que me identifico muito com o que aqui escreveu, era pouco. Beijinho*
ResponderEliminarNão tiraria sequer uma vírgula... Realmente quando me distraio e começo a contar mais com o apoio de alguém, que acaba por me falhar, custa-me mais a lidar com esse desamparo e/ou falta de interesse, do que propriamente com a situação para a qual precisaria desse apoio.
ResponderEliminarGostar de caminhar sozinha é perigoso, mas acaba por ser inevitável.
Muito bom este post... eu vou nos 38 e por vezes penso se o defeito não será meu, mas acho que isto nem tem a ver com defeito... e ninguém...
Beijinho*
identifico-me muito com este texto... quem me dera expressar sentimentos assim! ****
ResponderEliminarGostei tanto deste post.... Que bem que te sabes exprimir :) obrigada por esta partilha.
ResponderEliminarSempre aqui venho meter o nariz, saio daqui assustada com a tamanha analogia de percursos de vida, dúvidas, interrogações. Assusta-me, também, a simplicidade da escrita com que os relatas. Eu não sei escrever, mas posso dizer-te, porque a minha idade é mais velha do que a tua, o que da vida tenho aprendido é que, realmente, as portas nunca se fecham, nós é que criamos barreiras inconscientes de modos a nos protegermos. Tendo consciência da existência dessas barreiras (a nossa cabecinha é tramada), e no dia em que isso tiver que acontecer, vais perceber que a porta, a tal, a tão importante, afinal está somente encostada. A nossa natureza não é o celibato. Homens e mulheres, completam-se, nunca te esqueças disso e tu, tu estás só mais exigente, porque os teus patamares são outros. Queres alguém que te preencha, que te entenda, que te complete e, principalmente, te deixe respirar, te deixe Ser e é aqui que reside a dificuldade … não são todos, mas existem!
ResponderEliminarAté lá, continua a viver a vida, na boa, como sempre o soubeste fazer e bem porque o que tiver que ser teu, a seu tempo, será. Se a “coisa” demorar, lembra-te que de que não estás sozinha, mas lá que que custa, custa. A mim também. Serve?
Paula
Todos precisamos de alguém que nos dê a mão e ajude a caminhar, ampare uma queda, ajude a levantar, acompanhe no passo certo. Gosto do meu espaço, da minha individualidade, do meu ritmo, mas gosto de caminhar de mão dada, sinto-me protegida, confiante, de ego cheio..mas nem sempre isso tem sido possível, no entanto não desisto de caminhar.
ResponderEliminarGosto tanto da tua sensibilidade.
Adorei este post,identifico me muito com ele, também,toda a minha vida caminhei sozinha.Para si,desejo tudo de bom
ResponderEliminarA todas,
ResponderEliminarO meu obrigada pelas palavras e pela cumplicidade partilhada.
É sempre bom saber que as nossas cogitações fazem eco na vida de outros, que com elas se identificam pelas mais diversas razões.
@anónima Paula
Sei, acredito, que a vida não fecha portas, que quem as fecha ou abre, por ação ou omissão somos nós. E não, não nascemos para o celibato. Não o desejo e sei que não tem lugar na minha vida. Ao referir o tarde demais é antes no sentido de uma partilha absoluta, e é apenas uma cogitação, não uma certeza...
E sim, não deixo de viver da melhor forma a vida. Nunca parou pela falta dessa mão, nas vezes em que senti a sua falta. E não me faltou sempre, felizmente!
Se há certeza que tenho e me alimenta e guia é que não estou só! E isso, por si, faz toda a diferença. Entrego o que de mim não depende. A Vida é Sábia :)
Por último, não, não me serve que te custe. Preferia que não custasse, porque sei que quando custa, custa muito... o teu sofrimento não me serve de consolo :) (e porque será que acho que te conheço?...)
Um beijinho, Paula
Nota final: aproveito para informar que por razões pessoais o blogue estará por um tempo offline e não reservado a leitores convidados, como ao que parece a mensagem informa.
Até breve!
grande post! fico por cá, definitivamente! ;)
ResponderEliminarseria um prazer ter-te comigo também!
beijinhos
Aida, já por lá ando ;)
ResponderEliminarGosto muito do teu blog e admiro a tua forma de escrever que faz com que me sinta proxima pelo sentimento que colocas e com este post em particular o qual me identifico.
ResponderEliminarObrigada pela partilha. Votos de tudo de bom.
Catarina