Foi há mais de três meses que este (re)encontro aconteceu.
Sandra, fala-me um pouco da tua formação e do que te trouxe até a este adorável mundo artístico da cerâmica.
Olha, a minha incursão na cerâmica nasceu de uma empatia natural com o barro, matéria muito plástica, orgânica e terapêutica. Na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, frequentei as oficinas de cerâmica, e o encontro com a Virgínia Fróis, professora de escultura, estimulou ainda mais a minha aprendizagem neste domínio. Quando terminei a licenciatura em Escultura, frequentei um estágio em cerâmica, nas Oficinas do Convento e Telheiro da Encosta do Castelo, em Montemor-o-Novo, o que enriqueceu e alargou ainda mais o meu conhecimento prático e processual da cerâmica. Apaixonei-me pelo processo, apercebi-me da sua vasta dimensão e da inesgotável descoberta que proporciona.
Tenho denotado ao longo destes últimos anos, uma crescente
recetividade do público à valorização dos objetos manufaturados. Atualmente,
o panorama pandémico, veio alertar para um consumo mais consciente e talvez
isso ajude na transformação das mentalidades e na dignificação do trabalho do artesão. Mas o artesão também tem um papel preponderante nesta mudança, no sentido
em que não cedendo à competitividade e ao mercado que nivela os preços das peças
por baixo custo, atribui o devido valor às suas obras.
De que barro és feita?
Sou feita de uma miscelânea de barros.
E dos 4 elementos, com qual ou quais te identificas mais?
Ar
Água
Fogo
Terra
Porquê?
Partindo do pressuposto que estes 4 elementos são primordiais à vida, identifico-me com todos porque são elementos constituintes do meu ser.
E das 4 estações? Porquê?
Costumo dizer que num dia sucedem-se as 4 estações no meu estado de espírito, e por sentir que estas são constante presença em mim, não consigo identificar-me com uma ou algumas em particular.
És mulher de meter a mão na massa?
Sim e também de atirar o barro à parede! (risos)
Achas que há uma arte no feminino e uma arte no masculino ou não há diferenças. Porquê?
Para mim, géneros feminino e masculino na arte fundem-se, por isso é difícil identificar e balizar essas diferenças.
O que é a estética, para ti, enquanto conceito e forma de vida?
A estética é um conceito que tem para mim uma relação muito direta com a ética. Estes conceitos integram-se no meu quotidiano, nas minhas ações diárias, na relação com o outros e regulam o meu equilíbrio com o mundo.
Se te pedissem para moldar o futuro da humanidade,
que forma lhe davas?
A forma da esfera, pois esta simboliza a harmonia progressiva do espírito e do seu aperfeiçoamento, essenciais para o crescimento sensato do ser humano.
Enquanto conversamos, fizeste pão, com todo o preceito. Fala-me um pouco do que significa este processo e que relação e implicação tem com a arte do barro e da cerâmica?
Interesso-me por aprofundar o meu conhecimento teórico e prático, na relação que existe entre a origem da confeção dos alimentos e a origem da cerâmica. Muito antes da sedentarização e da agricultura, segundo vestígios recentemente encontrados, os povos caçadores-coletores, esmagavam os grãos de cereais silvestres com uma pedra para fazer a farinha, a qual peneiravam, amassavam com água e ferviam no fogo para fazer uma espécie de pão achatado. A farinha é um dos ingredientes mais antigos, obtida pelo processamento direto de um recurso natural. A cerâmica tem um processamento análogo, usando o recurso natural que é a terra. A relação intrínseca destes processos, direcionam agora o meu trabalho cerâmico, na procura dos recursos naturais à minha volta, e numa experimentação mais intuitiva e próxima das origens da cerâmica.
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