31.1.15

⌠ Janeiro ⌡

Creio não exagerar se disser que Janeiro é provavelmente o mês mais mal amado do calendário.
No dia 31 de Dezembro estamos todos fartos, queremos mandar embora o que não foi bom e o que nos desgastou, queremos celebrar o que nos fez bem e o que nos marcou e mudou para melhor. Tudo com festa, pompa, circunstância e chave de ouro. Erguem-se as taças, comem-se as passas, deitam-se os foguetes e apanham-se a canas. A festa acaba. E depois? Depois vem a ressaca, não a do alcool, que essa evapora depressa, mas a de que tudo ficou com era, que, afinal, mudado o calendário, transposta a porta de um novo ano, para além dessa aparente rutura, nada mudou, nada se transformou, num passe de mágica juntamente com as luzes do fogo de artificio, o frissom do champanhe e o glitter do glamour da derradeira noite.
Janeiro é um mês com tanto de sedutor como de enganador. Traz o frio maior, tantas vezes a chuva que persiste, que não desiste, embrulhada em dias cinzentos, tristes, pardacentos, dias que nos derrotam à partida, por muito que nos empenhemos em gostar de todos, mesmo os que não nos sorriem mal nos levantamos da cama. Janeiro é um mês amuado, resmungão, mal disposto, consigo e com os outros. Janeiro parece atacado da frustração de não ter uma varinha de condão para mudar o seu próprio triste destino, de logo à nascença não gostarem muito de si e o culparem de tudo. Janeiro enruga-nos a pele e só nos faz suspirar pelo sal do Verão. Depois, sedutor, tem dias em que se envolve de charme, em que puxa para si o astro-rei como se o comandasse por cordéis. Marioneta nas suas mãos, o sol brilha, aquece e convida-nos a acreditar que fica, que afinal quase tudo o que traçámos para o nosso novo caminho é tangível, já ali, ao virar da esquina. Mas não. Janeiro tem a chancela da hibernação, do estado aparentemente letárgico da vida, em que nada parece acontecer, em que nada se faz ou ilumina, a não ser por efémeros instantes. Janeiro é desconcertante, sobretudo para quem espera que ele faça por si só o que não temos paciência, força ou fé para fazer acontecer. Janeiro castra, sobretudo quando semeando não temos paciência para perceber que só germinando a semente pode crescer. Janeiro deixa-nos carentes mas a maioria das vezes é implacável e nega-nos o colo. Em Janeiro temos de aprender a enfrentar os medos sozinhos e temos de ser mais fortes. Janeiro tem um feitio difícil para quem não percebe as identidades nostálgicas e guerreiras, como a sua. Por ser o primeiro, Janeiro é o mais velho dos meses. Há que saber compreende-lo, como se compreende a um Sábio. Janeiro comunica connosco por parábolas complexas mas ricas. Ricas em ensinamentos e em fermento. O fermento de que é feita a vida. Do tempo que é necessário para levedar, sabem as árvores. Se não gostam de Janeiro, observem-nas. Têm discretos recados nas pontas dos dedos. Escutem-nas. Mesmo estando expostas e nuas elas sabem que Janeiro termina. Que Janeiro, como tudo na vida, tem principio, meio e fim. E que não é o fim do mundo.

Descer ao vale encantado*


... e fazer um piquenique

*Covão da Ponte | Vale da Castanheira | Manteigas

29.1.15

Porque os alimentos são muito mais do que uma refeição


Uma das melhores coisas da vida são as conjugações improváveis que surpreendem pela positiva. De sabores. De momentos. De pessoas. 
É afinal numa dose certa de imprevisibilidade que está o melhor condimento dos dias.

:: Massa negra
:: Pimentos vermelhos
:: Cogumelos Paris
:: Manjericão
:: Sementes de papoila

Só por hoje

Só por hoje, deixa-me ser frágil. Deixa que qualquer toque me derrube e que qualquer brisa me estremeça sem que eu tenha de ser estrutura e obstáculo. Só por hoje, deixa-me não ser crescida. Deixa-me ter medo do escuro, ver fantasmas em todas as sombras, acreditar em bruxas, ver monstros nas esquinas. Só por hoje, deixa-me esconder a cabeça debaixo das almofadas, deixa-me ser bicho-de-conta e também porco-espinho. Só por hoje, deixa-me não precisar da força do pensamento, deixa-me ser mais animal e menos gente. Só por hoje, deixa-me não ter de ser forte, deixa-me não ter de pensar em tudo, deixa-me não ter de pensar em todos, deixa-me ficar só no teu colo, sentir a curva dele onde me ajusto e onde diminuem todos os meus receios. Só por hoje, faz da força dos teus braços ramos em torno do meu casulo. Só por hoje, não digas nada. Melhor, só por hoje, diz com a tua voz serena e firme vai ficar tudo bem. Só por hoje. Só por hoje. Só por hoje, deixa-me ser pequenina.