6.9.21

Sandra Casaca | As mãos na massa da vida

Foi há mais de três meses que este (re)encontro aconteceu.

Se preciso de provas de que o ritmo dos meus desejos e o da capacidade de os colocar em prática já não é o mesmo, esta é uma delas. Mas não é de hoje que sei e digo que tudo tem o seu tempo e que a Vida lá sabe, e nos vai dando pistas dos porquês e para quês de certas coisas a que, na nossa visão finita de tempo, chamamos "demoras". No meu caso, sei que acabo sempre por colar as peças e perceber, o tempo e os tempos do Tempo, na minha vida.
Este é, portanto, o tempo certo para esta sua partilha.

Sobre a Sandra. E uma nota prévia, neste regresso:

O meu namoro com a sua arte começou há uns bons anos, quando a descobri num mercado. De certa forma, simbolizou um rito de passagem na minha vida com uma das peças que mais significado tiveram para mim nos últimos anos. A prova, está aqui.
De lá para cá, desencontrei-me muitas vezes dela, mas nunca a perdi de vista. 

Quando o Project#6 se iniciou, sempre soube que ela seria uma das convidadas. Quando parou, ficou sempre em mente o retorno, ainda que ano após ano adiado. 
Tenho uma relação complicada com os compromissos. E os que estabeleço comigo não são exceção. Por isso, sei que se não fecho uma porta de uma vez por todas - e nunca o fiz, com este blogue - há uma vozinha interior que ciclicamente me bichana e cobra as demoras, e um bichinho roedor que me mordisca os calcanhares, para me apressar... 

Depois de um último post publicado a 6 de junho de 2018, este Maio trouxe-me um raio de sol, uma energia motora, que renovava a vontade de deitar mãos à obra e regressar a este canto mais intimista. O meu ser criativo e criador, comunicativo e escavador de histórias que nos tornem mais humanos, precisa de recantos assim, onde possa tagarelar com lados bons e bonitos da vida ou desmonta-los em peças, para perceber melhor alguns dias de sombra. Os meus e os dos outros.

No dia 26 de Maio, rumei a Oeste ao encontro do barro com que a Sandra molda os seus dias.
Tive o privilégio de mergulhar os sentidos nas mil histórias, cheias de detalhes, que se escondem em cada recanto que habita. Da sua casa ao atelier, em tudo há viagens. 

Agora, finalmente, são vocês os convidados desta viagem ao passado, presente e futuro da vida e do barro, ou seja, da essência. Afinal de contas, não é dele/dela que todos somos feitos?

Sandra Casaca, é a Senhora que se segue. 





 Sandra, fala-me um pouco da tua formação e do que te trouxe até a este adorável mundo artístico da cerâmica.

Olha, a minha incursão na cerâmica nasceu de uma empatia natural com o barro, matéria  muito plástica, orgânica e terapêutica. Na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, frequentei as  oficinas de cerâmica, e o encontro com a Virgínia Fróis, professora de escultura, estimulou ainda mais a minha aprendizagem neste domínio. Quando terminei a licenciatura em Escultura, frequentei um estágio em cerâmica, nas Oficinas do Convento e Telheiro da Encosta do Castelo, em Montemor-o-Novo, o que enriqueceu e alargou ainda mais o meu conhecimento prático e processual da cerâmica. Apaixonei-me pelo processo, apercebi-me da sua vasta dimensão e da inesgotável descoberta que proporciona.





Tens um longo e bonito historial ligado a esta área, inclusivamente, com mostras e exposições. Sentes que Portugal tem um público sensível e recetivo aos artesãos? Ou seja, achas que o nosso "mercado" valoriza devidamente esta forma de arte?

Tenho denotado ao longo destes últimos anos, uma crescente recetividade do público à valorização dos objetos manufaturados. Atualmente, o panorama pandémico, veio alertar para um consumo mais consciente e talvez isso ajude na transformação das mentalidades e na dignificação do trabalho do artesão. Mas o artesão também tem um papel preponderante nesta mudança, no sentido em que não cedendo à competitividade e ao mercado que nivela os preços das peças por baixo custo, atribui o devido valor às suas obras.


 


     De que barro és feita?

     Sou feita de uma miscelânea de barros.

E dos 4 elementos, com qual ou quais te identificas mais?

 Ar

Água

Fogo

Terra

Porquê?

Partindo do pressuposto que estes 4 elementos são primordiais à vida, identifico-me com todos porque são elementos constituintes do meu ser.

E das 4 estações? Porquê?

Costumo dizer que num dia sucedem-se as 4 estações no meu estado de espírito, e por sentir que estas são constante presença em mim, não consigo identificar-me com uma ou algumas em particular.



         


          És mulher de meter a mão na massa?

    Sim e também de atirar o barro à parede! (risos)

 




        Achas que há uma arte no feminino e uma arte no masculino ou não há diferenças. Porquê?

      Para mim, géneros feminino e masculino na arte fundem-se, por isso é difícil identificar e balizar essas diferenças.

 





O que é a estética, para ti, enquanto conceito e forma de vida?

A estética é um conceito que tem para mim uma relação muito direta com a ética. Estes conceitos integram-se no meu quotidiano, nas minhas ações diárias, na relação com o outros e regulam o meu equilíbrio com o mundo.



 


Se te pedissem para moldar o futuro da humanidade, que forma lhe davas?

A forma da esfera, pois esta simboliza a harmonia progressiva do espírito e do seu aperfeiçoamento, essenciais para o crescimento sensato do ser humano.







    Enquanto conversamos, fizeste pão, com todo o preceito. Fala-me um pouco do que significa este processo e que relação e implicação tem com a arte do barro e da cerâmica?

Interesso-me por aprofundar o meu conhecimento teórico e prático, na relação que existe entre a origem da confeção dos alimentos e a origem da cerâmica. Muito antes da sedentarização e da agricultura, segundo vestígios recentemente encontrados, os povos caçadores-coletores, esmagavam os grãos de cereais silvestres com uma pedra para fazer a farinha, a qual peneiravam, amassavam com água e ferviam no fogo para fazer uma espécie de pão achatado. A farinha é um dos ingredientes mais antigos, obtida pelo processamento direto de um recurso natural. A cerâmica tem um processamento análogo, usando o recurso natural que é a terra. A relação intrínseca destes processos, direcionam agora o meu trabalho cerâmico, na procura dos recursos naturais à minha volta, e numa experimentação mais intuitiva e próxima das origens da cerâmica.






✩ fim ✩

24.5.21

Deixa { re } entrar o Sol


 
O Deixa entrar o Sol vai regressar. Pelo menos, esse é o desejo que trago embalado no coração há algum tempo. Como sempre na minha vida, sou de dar tempo ao tempo, para que ele arrume os desejos, os projetos, os avanços e os recuos na consistência dos dias e para que, depois de os iniciar ou reiniciar, não caiam por terra e voltem à casa de partida ou se esfumem, definitivamente.

Há coisas, formas de ser e estar, que a vida vai moldando com o tempo. Arestas que são limadas e outras que, ao contrário, se tornam mais aguçadas das esquinas e dobras das nossas almas. Mas outras há que permanecem imutáveis. A essas chamamos Essência. E na minha essência mora sempre esta ponderação silenciosa, que muitas vezes parece esquecimento ou alheamento, mas que na realidade é um processo de maturação fermentada. Depois, ou vai, ou racha. Como não é percetível aos outros - a não ser que me conheçam o avesso e saibam interpretar os meus sinais mais subliminares e, acima de tudo, os meus longos silêncios sobre alguns temas - muitas vezes, parece que um passo, uma decisão, surgem do nada, fruto de um ímpeto, capricho ou espirito aventureiro. Nada mais longe do que sou ou faço. E se nada em mim é estudado ou demasiadamente preparado, pode até parecer uma incoerência em dizer que não nasce de um impulso. Mas são universos diferentes, paralelos, para mim. Um nasce da necessidade de controlar tudo, de tentar atingir sempre o patamar de uma certa perfeição, nem que seja aparente, com que não me identifico. O outro, o meu, nasce da necessidade de antecipar riscos e no topo deles o do assumir e poder quebrar ou não um compromisso. Antes de mais comigo. A vida é uma constante gestão de expectativas. Há que se honesto e comprometido com os nossos propósitos porque, no fim da linha, eles mexem com os dos outros e há uma enorme dose de responsabilidade nisso.

Regressar ao blogue não tem uma missão tão nobre, nem tão relevante, que se aplique ao que acabei de dissertar, mas tem em mim o impacto de uma decisão de fundo: regressar à escrita e à partilha de imagens que me conduzam ao reencontro de uma Margarida que hibernou há algum tempo.

Muitos fatores contribuíram para esta decisão. Desde o recorrente desafio de família e amigos, até ao reencontrar de "coisas" antigas, como ainda ontem aconteceu, ao descobrir numa pen uma entrevista de rádio pela ocasião da publicação do meu segundo romance... Foi chocante e comovente, ouvir aquela pessoa que era eu e sentir que tudo aquilo tinha sido noutra vida, tanto que já nem recordava uma boa parte do que nela mencionei... Alerta vermelho, para uma alma criativa e criadora, como a minha... "Está na hora de ires ao teu encontro, Margarida", pensei.

Esta manhã, quando amadurecia a ideia do texto desta publicação, percebi ainda que existe um motivo tão ou mais importante neste regresso: o legado que quero deixar à minha filha; o gosto e o respeito pela palavra; o valor e a relevância da comunicação; a importância de crescermos na partilha saudável de experiências de vida; a gratidão por através de tudo isso nos revermos ou ampliarmos com e nas histórias de quem se cruza connosco. E ela, que escolheu a Comunicação como forma de vida, perceberá cada vez melhor o que digo e sinto, quanto a estas questões. 

É também por ela e para ela que regresso a esta minha querida casa e que retomo o #Project6. Neste regresso, com outro nome " A vida dá um livro". Porque não raras vezes a realidade ultrapassa a ficção. E porque nenhuma história nasce do vazio. 

Esperança tenho eu que, ao alimentar-me das histórias das minhas "convidadas", um novo enredo, feito de linhas e letras, se construa dentro de mim. 

Até breve!

Margarida