19.6.16

Anita


Uma boa parte de mim será sempre Anita.
Anita por ser o nome por que me chamavam carinhosamente, na infância, familiares a amigos.
Anita porque esta doce aventureira me transportava para as suas histórias e todas queria fazer minhas.
Anita pela intemporalidade deste nome que nunca será Martine, para mim.

17.6.16

Pequenas Epifanias*


- Quinta do Arneiro | Dia Aberto, Junho'16 -


« Se calhar, a construção quotidiana de um itinerário crente passa mais por aqui do que por outras coisas: acender uma luz, tornar diferente um encontro, associar a oração a um passeio sem tempo, deter-se de repente a aspirar o perfume do instante. São pequenas epifanias da graça, mas que traduzem intensamente a vida. As espiritualidades precisam de janelas abertas, pois rapidamente tendem a desenvolver-se num casulo, longe da aragem livre do Espírito. Precisam de lufadas de espanto que nos digam: "Agradece a dança luminosa do mundo em teu redor"; "da matéria inacabada do tempo faz uma promessa"; "quando dás a vida é que ela se torna tua"; "não desistas da luz" »

- José Tolentino Mendonça -

* muito para além de qualquer crença ou religião

6.6.16

Project#6 | Eduarda ✩ Moleira de Boas Emoções

Descobri-a um dia, não sei há quanto tempo nem como, mas sei que foram a água fluída e límpida das suas palavras e a intensidade das suas imagens que me levaram até aos seus MOinhos. 
Tenho como principio de vida que a comunicação, seja ela qual for, é a base de toda a relação. Foi talvez por isso que percebi que, mais do que conhecer e experienciar o lugar por que me fez apaixonar a cada uma das suas partilhas, tinha que conhecer a pessoa que estava por detrás dele. 
Ela é assim, como a água que corre irrequieta mas pura entre as fragas do seu rio. Transparente. Genuína. E foi assim que me recebeu. Sem "ses", sem "porquês". Para quê? Para comungarmos um dia diferente e bonito, estreitarmos caminhos e encurtar a distância dos 300 quilómetros que nos separam.

Eduarda dos MOinhos, como simplesmente gosta que a tratem, aceitou o meu convite e é a convidada de Junho, do Project#6
Refresquem-se na sua alma!




Eduarda, conta-me - conta-nos! - a história da tua relação com este lugar idílico, os teus MOinhos, com O grande, como gostas de os (d)escrever.

Margarida, eu nasci no Porto e sempre achei que era citadina. Gostava de ter tudo ao pé de casa e convencia-me que isso é que me "enchia as medidas".
Um dia, quis o destino que eu fosse passar uma tarde a uns MOinhos e mal comecei a ouvir o som do rio, disse para comigo: "eu quero ouvir isto a vida toda".
E pronto: foi amor à primeira vista ( risos)




Esta casa, com todo o cenário natural que tem à volta, está carregada de referências, emoções, vibrações. Descreve tudo isto, a partir de cada um dos cinco sentidos.

Esta casa eram 3 MOinhos, onde se moía o milho que dava a aveludada farinha. Apesar de ser já uma ruína quando a conheci, fiz questão de preservar qualquer bocadinho de memória do que aqui se viveu.
A esposa do antigo MOleiro ainda é viva e ajudou-me a perceber melhor todos estes sons e sabores. Ensinou-me a fazer a melhor broa de milho do mundo, só pelo simples facto de ser feita com amor.
Aqui tudo nos sabe melhor.
A água da nascente é tão límpida que mais parece cristal.
É impossível não sentir este verde todo a entrar-nos nos poros e adormecer ao som do rio não tem explicação.
Uma coisa eu sei: "isto" estava aqui para mim e imagina a sorte que tive... podia estar do outro lado do mundo, mas afinal está só a 70 deliciosos quilómetros do Porto.



Falando em sentidos... Achas que existe mesmo um sexto sentido? És uma mulher intuitiva?

Acho pois. Sou muito!
Digo sempre que até tenho medo de querer alguma coisa.
Na verdade quero sempre coisas muito simples. Nem são coisas sequer.
Quero ter tempo para respirar fundo, quero saborear a comida como ela merece, quero calcar a erva, porque afinal ela nasceu para isso (risos) e quero tantas outras coisas, que a minha intuição diz-me que devo parar por aqui, porque doutra forma ninguém lê o resto da nossa conversa! ( risos)




És uma mulher de pormenores. De onde te vem essa sensibilidade, sobretudo para aproveitar o que a natureza oferece?

Podia dizer que detesto dar-te razão, mas não. Sou mesmo uma mulher de pormenores e adoro isso. Gosto de cada bocadinho de madeira que encontro e apetece-me trazê-la para casa. Acho sempre que dá uma obra de arte, sem sequer fazer-lhe nada.
Já os verdes e as flores do campo que por aqui abundam, são tão deslumbrantes, que fariam as delícias da decoração duma festa digna da realeza, só que eles ainda não sabem (gargalhada solta)
Acho que este gostar do que nos é naturalmente oferecido vem do meu pai. Ele olha para tudo de maneira diferente... quero dizer melhor.




Hoje é dia da criança. Achas que certa forma foi a que criança que foste - e eventualmente a que conservas - que te trouxe até este rio?
Pois não sei. Sei que quero ter o rio por perto para sempre. E se puder chapinhar na água, melhor!
Sei que Alguém deve ter pensado assim: "deixa-me pôr-lhe o rio no caminho. Ela vai saber dividi-lo com os outros" e eu acho que estou a deixá-Lo feliz...

(tenho a certeza que sim, Eduarda. que cumpres bem essa missão e que Alguém está muito feliz contigo)




No caminho fizemos uma paragem estratégica, cheia de sabor. Sem querer, trouxeste para este dia a simbologia das boas conversas. 
Para ti, as palavras são mesmo como as cerejas?

Adoro falar Margarida. Adoro ler e escrever, por isso imagina o esforço que estou a fazer para não dar respostas muito longas (risos)
Ah, mas deixa-me esclarecer que também adoro estar caladinha.




A pronúncia do norte, é só um entoar diferente do léxico comum ou tem mais qualquer coisa gravada nos genes?

A pronúncia do norte é um orgulho. Acho que não tenho muita mas adoro quando o meu filho me chama"manhe". As mulheres do Norte são mesmo fantásticas e se forem moleiras, ainda mais! (risos)


No teu dicionário, como se define verbo Receber?

Receber para mim é dar colo, é fazer o coração bater mais forte, é fazer um petisco para quem amo, é deixar marcas para toda a vida... das boas...

(como este almoço que preparaste e que me está a saber pela vida, não é Eduarda? há momentos em que a vida já nos dá o direito - ou o devolve, porque o temos com frequência na infância - de misturar no mesmo prato, salada de frango, cerejas, queijo fresco com calda de frutos vermelhos e uma fatia de bolo de cenoura e degustar tudo ao mesmo tempo, demoradamente, com a pompa de um verdadeiro banquete!)




Tens certamente dezenas delas, mas conta-me uma história bonita, vivida com pessoas que por aqui passaram.

Não tenho aqui um livro de honra. Tenho um baú onde as pessoas deixam o que bem lhes apetece.
Há até quem desenhe muito bem, mas para escrever, parece que foram todos escolhidos a dedo, porque tudo o que deixam escrito faz-me sempre ficar, no mínimo, com os olhos brilhantes.
Tenho uma história por cada pessoa que por aqui passa, mas já que me pedes só uma, não consigo esquecer a duma Mulher linda que mal chegou à nossa ponte, disse que quando estava a fazer quimioterapia lhe pediam para pensar num sítio paradisíaco, onde quisesse estar, onde se sentisse bem e em paz... disse-me que estes MOinhos eram tal e qual esse o sítio que tinha sonhado...



Alguma vez pensaste mudar-te e passar a viver aqui?

Pensei nisso várias vezes, mas não sei se isso vai acontecer.
Ainda assim, acho que há fortes probabilidades do rio vir a ganhar ao Norteshopping ( risos)


Diz-me, este rio tem sido sempre teu amigo? Falas com ele? Ele escuta-te, fala contigo?

Este rio tem sido meu confidente. Tem sido aquele amigo a quem posso dizer tudo.
Tenho a certeza que ele me ouve, porque já me fez muitas vontades. Não quero é exigir-lhe muito. Até esta água chegar ao mar, tem muitas outras almas para escutar.



Responde rápido: papel, pedra ou tesoura? Porquê?

Decididamente, papel!
Para escrever escrever a vida, para fazer barquinhos e mandar mensagens dentro de garrafas.


Levas sempre a água ao teu moinho, Eduarda?

Não, não levo, mas não faz mal.
A que levo, faz -me feliz.



Eduarda, estou aqui a pensar... moinhos, mós, moer, farinha, levedura, pão...
De que massa és tu feita? Levedas com pouco? Com as ruivas ninguém faz farinha, pois não?

Essa pergunta é fantástica Margarida!
Sou feita da massa das Mulheres do Norte que têm sede de viver e deixar memórias.
Muitas vezes fervo em pouca água, sim, mas não amuo e peço desculpas com muita facilidade.
Ninguém faz farinha comigo, se vier com uma pedra na mão. Tudo o resto, tem o melhor de mim. E olha que não é pouco ( risos)




✩ fim