29.10.14

Dos pequenos grandes luxos da vida


- risotto de cogumelo shiitake com coentros e romã -

Ter tempo para dedicar à preparação de um almoço com o melhor que a estação oferece. Saboreá-lo e partilhá-lo sem pressas, como merecem todas as refeições que fazemos. 
Ter tempo é, decididamente, o grande luxo dos novos tempos. Como todos os luxos tem um preço elevado. Implica escolhas que nem sempre são fáceis.

28.10.14

O longo caminho das escolhas

Se é verdade que desde os tempos mais remotos o conceito e a sua experiência moveram a humanidade, de poetas a filósofos, nunca tanto como agora se falou em Felicidade. 
Aparentemente, nos tempos que correm, parecemos todos ligeiramente infetados - uns de forma mais severa do que outros - com um vírus altamente contagioso que nos leva a necessitar estar sempre inspirados por algo ou alguém e a viver num estágio aspiracional constante. De uma forma algo caricata, «Ser Feliz» passou a ser a resposta automática e lógica à pergunta, «O que desejas para ti?». Mas que diabo, pergunto-me: em algum tempo, alguém teve como meta e ambição ser infeliz? Ser feliz esgota por si a condição do que somos ou queremos nesta vida? E o que é isso de Ser Feliz? Um package de luxo ou uma pomada que se compra? Somos todos felizes da mesma maneira? Alguém é feliz a todo tempo? 

A ser uma meta e uma condição indispensável à vida - e defendo que é, em parte, pelo menos quando queremos experienciar em pleno quem somos - parece ter sido esquecido um importante detalhe. É que a Felicidade, como tudo o resto, é fruto de um caminho que se percorre. E que esse caminho, como todos os caminhos, é feito de escolhas. Se as fazemos bem ou não, a cada passo, cabe a cada um avaliar. Mas são precisamente essas escolhas, e os resultados delas, que nos permitem aferir o nosso grau de conforto com nós próprios. É a esse grau de conforto que genericamente chamamos Felicidade. Só que tudo isso, obviamente, dá trabalho. E, acima de tudo, obriga a passarmos um bom tempo connosco. 

Se de uma forma geral toda a gente quer ser feliz, muito poucos o querem ou conseguem ser consigo mesmos. Ao primeiro beliscar de horas ou fases menos boas, aos primeiros amargos de boca depois do fim de momentos aparente ou efetivamente felizes, o comportamento recorrente é fugir de si próprio para longe. Convocam-se os amigos a todas as horas mortas, introduz-se o máximo ruído e vibração aos dias, entopem-se as emoções com doses industriais de paliativos, ainda que provisórios. Tapam-se as fendas e os buracos entretanto abertos com betume rápido feito de pessoas. Para a maioria, vale tudo menos conhecer-se bem a si próprio e tentar perceber de onde se veio, onde se está e para onde se quer ir. Resulta precisamente daí o tão atual  sucesso das chamadas pessoas inspiradoras. É um fenómeno dos nossos tempos e há que encará-lo de frente. Há fome e há vontade de comer. No ecossistema social cada um se alimenta como pode. 
Só que até na Felicidade, como em tantos outros objetivos da nossa cultura, o facilitismo e o imediatismo são palavras de ordem. No fundo, no fundo, queremos ser felizes como A, B, ou C, mas queremos chegar lá com as nossas escolhas. Queremos o melhor de dois, três ou quatro mundos, escolhendo dar passos opostos. Queremos os resultados mas não queremos os investimentos que os proporcionam. Ou porque dão trabalho ou porque preferimos os prazeres imediatos aos retornos que por vezes demoram. E menos ainda arriscar a investir no que possa não vir depois.
Seria bom que a Felicidade funcionasse por proximidade. Ou por osmose. Ou por injeção intravenosa. Mas não funciona. A Felicidade, para quem a ambicione e da forma como ambicione, está nas mão de cada um. Não se vende e não se ensina. Não se compra. Aprende-se na vida com as decisões que tomas. Ou não. Mas és tu que escolhes.

Dreamy White


21.10.14

My kind of Oscar de La Renta


Num meio onde tantos criadores teimam em quase ridicularizar a beleza feminina, todas nós, mulheres que se prezam de o ser, ficamos um pouco mais pobres com a partida de homens como Oscar de La Renta, que de forma sábia e elegante, sempre a respeitaram e elevaram.
Este vestido que mora cá em casa não é uma criação sua, mas bem podia ser.  Não pelo preço, claro!, mas pelo romantismo dos detalhes. Foi comprado para uma ocasião muito especial que nunca chegou a acontecer e aguarda um momento ainda mais especial para se estrear. Em breve!


E as imagens do último legado de um dos grandes românticos de sempre

20.10.14

O que muda do que te muda


Tantas vezes tens um copo meio cheio e olhas para ele e apenas vês um copo meio vazio. A vida, como os copos, serve-se nas doses com que a olhamos. Há circunstâncias que mudas. Umas porque queres, outras porque aconteceu. A vida acontece muitas vezes à nossa frente. Antecipa-se, escorrega-nos das mãos mas, em algumas circunstâncias, em vez de se partir na queda, abre-se e oferece-nos um presente como aqueles ovos de chocolate das crianças. Depois há as outras vezes em que escorregamos nós e nem percebemos onde ou porquê, porque o piso era sólido e seco, regular e direito. Até o conhecíamos tão bem e os nossos passos eram tão certos. Esfolamos os joelhos, magoamos as canelas, fazemos nódoas negras, feios hematomas. Em algumas destas quedas andamos a passear com um bem precioso na mão. Nada mais frágil do que um coração fora de nós. Depois da queda-surpresa olhas para o chão que tens dentro de ti e só vês estilhaços. Baixas-te para apanhar os cacos maiores na esperança de conseguir colar tudo à pressa mas faltam sempre pequenas peças que foram parar a um lugar escondido dos teus olhos. Baixas os braços, encolhes os ombros, desistes da busca. Que se lixe. Que se lixe tudo, pensas e só ouves o teu eco. Estás vazio. Algumas vezes chegas mesmo a precisar de um ou outro ponto que trave o sangue e reconstrua a pele. Dói que se farta. Arde até a lavar as mãos. Até o que há de mais puro nos pode magoar na simples proximidade. Nem a água é inócua. Um dia olhas e já tudo sarou.
Há circunstâncias que mudas e há as circunstâncias que te mudam. Umas avisam-te outras não. Um dia quando olhas para o copo que tens à tua frente, tenha ele o que tiver, já aprendeste a arte do improviso. Mesmo que nada mude há muito que tudo mudou. Dentro de ti os olhos da alma têm bem calibrada a perspetiva. Olhas e, vejas o que vejas, sorris.



Na leveza do granito


19.10.14

Fim de tarde


... e um gin tónico com sabor a dias quentes de outono.

Espírito de domingo


O elitismo do elitismo

Mesmo sendo péssima a matemática, sou capaz de jurar que hoje de manhã, ao longo da margem norte do Tejo, se passeavam milhares de pessoas. Pessoas com camisolas iguais, por uma causa, pessoas a correr, pessoas a passear, pessoas a andar de bicicleta, pessoas a velejar. Turistas a visitar, a desfrutar, a fotografar. Quem chegasse a Portugal pela primeira vez, sobrevoando a zona, pensaria com facilidade que haveria por ali algum evento especial. E havia. Vai havendo, um evento espontâneo que paulatina mas consistentemente vai transformando a cultura de um povo. Porque o rio sempre existiu e com ele as margens e o sol, mas é inegável que nunca como agora os portugueses parecem te percebido o tanto que têm para desfrutar de borla, vivendo simplesmente com orgulho, a sua cidade. Provavelmente porque quando tinham mais dinheiro, era mais engraçado ir engrossar as multidões que faziam o mesmo em outras capitais, onde há muitos anos já se fazia jogging, comícios, piqueniques e envagelizações. Em Hyde Park ou Central Park, nas largas avenidas de Paris ou nas praças de Roma. Fazê-lo aqui? Nem pensar! Que coisa mais parola. Mas talvez a causa seja agora o que menos importa, na assinalada e assinalável mudança de comportamento. O que me alegra particularmente é perceber que temos vindo a ser capazes de perder os complexos provincianos que faziam de nós pseudo elitistas e turistas acidentais de uma cultura verdadeiramente urbana. Às vezes faz-nos bem ficar mais pobres na carteira.

17.10.14

tantas vezes. a vida.

às vezes não tens na ponta da língua a resposta que os outros esperam de ti como uma faca pronta a cortar o pão ou outra a barrar manteiga. às vezes uns sapatos espalhados pelo chão são só uns sapatos espalhados pelo chão. às vezes vestes a tua melhor roupa para ir só ao supermercado. às vezes chove no dia do teu casamento e nem por isso tens mais sorte e és mais feliz. às vezes sonhas filhos cor de rosa e eles saem cheios de espinhos e ensinam-te a arte da poda. às vezes estás cheio de sede enches um copo até a cima e esqueces-te dele em cima da bancada porque o telefone tocou e do outro lado alguém te saciou. às vezes quer-te quem não desejas. às vezes desejas quem não te quer. às vezes tudo coincide e nenhuma das coincidências é por acaso. às vezes tens o plano perfeito, estudaste o alinhamento ao milímetro, desenhaste o trajeto do caminho a régua e esquadro e antes de começares já tudo falhou. às vezes procrastinas, sais de mãos à abanar para o destino, tocas de ouvido e és aplaudido de pé na plateia da vida. às vezes era ali mesmo que ficavas num segundo que podia significar a tua eternidade. às vezes um segundo foi a eternidade que te bastou. às vezes tens a respiração ofegante só porque subiste uma escada e já nem te lembras em que ano foi que dormiste bem toda uma noite. às vezes perdes o fôlego e dás graças a uma divindande que desconheces por teres podido viver aquele momento. às vezes estás no sitio certo à hora certa com a pessoa certa. outras vezes o universo troca-te as voltas só para te fazer voltar a tentar de novo.

16.10.14

Hoje há


 

- doce de abóbora e poesia com restos - 

O avesso dos dias

Para lá da porta há sempre um espaço que é único. Para trás fica a rua, as gentes com quem nem sempre te apetece cruzar, a pior das rotinas a que te é imposta, os ruídos, os atropelos, os desencontros, as caras fechadas, o frio ou o vento que nem sempre te apetecem abraçar. Para lá da porta, do lado de dentro, há só tu ou nós, há aromas que só tu reconheces porque são teus, a essência perfeita que resulta dos banhos, dos perfumes, da roupa da tua cama, das alfazemas e sabonetes que têm as tuas gavetas, do teu ph e do teu adn. Há uma claridade que sabes que vem de ti, das cores que escolheste para te receber todos os dias. Há a nostalgia de alguns dias misturada com a alegria de outros. De vez em quando há vozes e risos. De vez em quando há silêncios momentâneos e em certos dias há silêncios profundos. Há a luz indireta dos teus candeeiros e a quente das tuas velas. Há a espessura dos teus edredons e dos teus turcos e um cheiro que te conforta num banho de espuma. Há a textura das tuas paredes, as confidências que só elas sabem e os seus inúmeros amparos.
Para lá da porta há sempre um espaço que te recebe e que é o verdadeiro mundo. Aquele que desenhaste milimetricamente para quando fechas a porta deixar do lado de fora o avesso de ti.

Tell me


How much do you really love polka dots, Margarida?..

14.10.14

Os gatos não têm vertigens

Os filmes a sério têm argumentos a sério, elencos a sério, cenários e adereços a sério, linguagem e comunicação a sério, enquadramentos cénicos a sério, preocupações estéticas e cromáticas a sério e sobretudo fazem tudo a sério sem necessitar ser pseudo culturais ou pseudo elitistas.

Os filmes a sério, também têm bandas sonoras a sério e rendem-nos à eterna evidência de que quando fazemos as coisas a sério, quando somos coerentes e fazemos justiça à história que queremos contar - na ficção, como na realidade - é à Arte da Vida que honramos, acima de tudo.

Os filmes a sério, infelizmente, nem sempre são os que têm patrocínios de um milhão e meio.
Os gatos não têm vertigens, é verdade. E eu, que já me cruzei na vida com uma mão cheia de alguns como este, conheço bem as entranhas de quem cresce filho de ninguém e que cedo tem um terraço como a melhor das casas. Só por isso sei que muitas vezes a realidade ultrapassa mesmo a melhor ficção.
Nota máxima para a jovem revelação, num elenco de luxo. João Jesus, puto, tu prometes muita coisa. Estou de olho em ti!

Aromatizar os dias*

 * com manjericão roxo e alecrim florido

11.10.14

Por momentos

Por momentos achamos que todas as coisas juntas, o céu, o mar, o sol, a lua, as estrelas, o vento e a chuva, o fogo e a terra, os elementos, os vales e as serras, as planícies, as pessoas que estão e as que estiveram, as que virão e as que partiram, o silêncio e as palavras, o chão que pisamos e o ar que os pássaros voam, o zumbir dos insectos e o silêncio das árvores enquanto crescem, todas as cores e todos os sabores, todas as coisas que conhecemos e todo o universo que resta por descobrir, todas as compreensões e todos os desencontros, todos os olhares e todas as visões, todas as mãos e todas as sensações, todos os destinos e todas as premonições não serão suficientes para cumprir o caminho. Por momentos. Há momentos que nos rasgam por dentro. E há outros que nos resgatam sem aviso prévio para o melhor do que fomos e somos. Há momentos em que estamos inteiros com tudo o que existe. E isso é tudo quanto basta para sermos felizes.

Lisboa também se namora nos dias cinzentos