Estou farta de ver lavar roupa suja e não me apetecem palavras com Soflan.
Num país onde a grande ambição da maioria era ganhar o euromilhões para deixar de trabalhar e se continuam a fomentar os títulos académicos, na provinciana fobia de sermos todos doutores e engenheiros, os Sócrates e Relvas da vida nunca serão mais do que um espelho do ninho que os criou e alimenta.
Não me venham com merdas nem branquear comportamentos com lixívia. A maioria ataca porque não pode ter, porque não pode fazer. Porque no dia a dia adora roçar o dito pelas cadeiras, na esperança que alguém faça por si ou ninguém dê pelo que não fez. E se derem pela falta, que tenha à mão de semear a quem possa atirar a culpa. Viagens em primeira classe? Carros de grande celindrada? Privilégios leoninos? Títulos sem percurso académico? Deus meu! Quantas resmas de papel, caixas de elásticos e de clipes e packs de bic se levaram e levam do escritório para casa, porque o puto pediu e o patrão que se lixe, que o gajo é rico e eu não vou ao hiper só por causa disto!... A diferença está apenas na escala da relação oportunidade-oportunismo que temos à mão.
Somos bestiais a trabalhar lá fora? Além fronteiras, não há quem não queira um porteguesinho? É verdade! Mas infelizmente ao olhar para o estado do país isso só vem confirmar que somos um portento a servir os outros enquanto cá dentro só somos muito bons a servirmo-nos. Há honrosas exceções? Há! Pois claro que há! Pray to the Lord e mãozinhas ao alto, por isso!
Apesar das evidências de um mercado de trabalho saturado de licenciados sem reais oportunidades de emprego, papás e mamãs deste quintal à beira mar plantado continuam a investir e insistir que os petizes lá de casa ingressem no ensino superior, seja a que preço for. O desconto só se faz para a vocação, seja ou não sentida. Faz-se das tripas coração para que os meninos e meninas não tenham deslizes, que não percam anos, mesmo que ao longo deles sejam sustentados a balões de soro ou amparados em todos os caprichos. Não podem ter frustrações, sobressaltos, coisas que os amofinem. Tudo em nome das boas notas e das médias que lhe abrirão as portas das faculdades, do sucesso e da felicidade prometida. O nirvana das pessoas bem sucedidas, pois claro! O que parece ser perigosamente esquecido neste percurso é que mesmo que andem muito direitinhos a vida toda - coisa que só por si é contrário à natureza humana - a vida se encarregará de lhes pregar algumas boas rasteiras e que o ideal era que, de pequeninos, aprendessem a levantar-se sozinhos. Perder um ano ou não ter médias para atingir os objetivos pretendidos pode bem ser uma boa maneira de o fazerem. Se não conseguem ter maturidade para perceber que só com trabalho, entrega e uma boa dose de sacrifício se chega onde se quer - e muitas vezes, nem assim - é bom que a ganhem, com nova revisão da matéria dada. Falo obviamente de adolescentes a quem nada falta e para quem a única preocupação e ocupação é estudar. Uma boa parte, não sabe sequer dobrar a roupa que veste, não é obrigado ou incentivado a arrumar o seu quarto ou a não deixar espalhado por onde passa os restos da sua vida no universo... já nem falo em cozinhar a sua refeição.
Não me venham com merdas. Não nascemos todos para ser doutores e engenheiros. Arquitetos e deputados. Também nascemos para ser pianistas, trapezistas, condutores de taxi, padeiros, pasteleiros, pedreiros e costureiros. Bailarinos, canalizadores ou eletricistas. Há, na realidade, quem pudesse ser incomparavelmente mais feliz, realizado e bom a ser tudo isto e tantas outras coisas. Ao contrário do que pensamos, não somos formados. Há muitos anos que somos enformados, enfornados e desenformados. Produção em série, geração atrás de geração. Ou, dito de outra forma, formatados para ser todos iguais. E os resultados estão à vista. As evidências falam por si. Somos cada vez mais um país licenciado em inúteis profissionais. E o pior é que é gente com talento e garra que nos faz falta. Só as pessoas verdadeiramente realizadas e empenhadas em fazer bem o que fazem geram diferença e riqueza.
Enquanto pensarmos como pensamos são os Sócrates e os Relvas que temos e que merecemos. E não é cá por coisas nem karmas, mas por este caminho, é o que vamos ter, é o que vamos ter...