« Se pensarmos nos Jacarandás floridos, na sua dança aérea e azul, Lisboa parece estes dias uma composição sonhada por Chagall ou Matisse. Lisboa deve às árvores que possui, às árvores de que se esquece, uma parte eloquente da sua beleza. Elas guardam, para nós, a cor, o alfabeto vegetal do silêncio, o atalho secreto da alegria.
O seu movimento parado é uma ilusão, pois as árvores são extraordinárias viajantes que se deslocam através de distâncias incalculáveis. Chegaram aqui vindas do Cáucaso, da Sibéria, do Tibete, da América... por ventos, por correntes marítimas, nos grandes invernos... ocultas nos pés dos escravos, escondidas algures na trouxa de um distraído mercador ou entre o pelo dos animais... E se estão ao pé de nós, sabemos também que estão sempre a partir. São fluídas. Mudam de casca e de casa. Morrem. Migram da noite para o dia.
Aprendemos a contar por elas as estações do ano e da nossa vida. Há as árvores da infância. As do nosso bairro, anos mais tarde. Há uma árvore que avistamos de relance em situações que depois não esquecemos mais. (...)
Lisboa tem uma população admirável de árvores. Algumas estão classificadas e têm um estatuto semelhante ao do património construído classificado. Tudo isto está muito bem. Mas quando andamos pelas ruas de Lisboa e nos cruzamos com árvores, elas não têm identificação alguma, são cidadãs anónimas! Raros são aqueles que as tratam pelo nome próprio (...) »
in O Hipopótamo de Deus
- José Tolentino Mendonça -
* numa homenagem a todas elas, à estação que amanhã muda e a todas as pessoas que conhecem quase todas as árvores e aves pelo nome, como conhecia o meu avô.
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