27.11.17

Um bolo de pêra e chocolate, com um mês... e um blogue abandonado à sua pobre sorte há muitos mais...

É mais ou menos recorrente e coletivo. Chega-se a Novembro e na balança começam a pesar os pendentes acumulados nos meses que que voaram sobre nós. Em simultâneo, o carrasco do Tempo ameaça soltar os dedos e acionar a guilhotina. O crime é quase sempre o mesmo e a sentença também. Da lista de promessas que fizemos a nós mesmos, no final do ano anterior, poucas linhas passaram do quero fazer para o coluna do feito. Mais um ano, mais uma ampulheta que escoa os últimos grãos e mais uma vez a pergunta que nos afronta... gerimos mal o tempo que tivemos ou as ambições excediam o tempo de que realmente dispunhamos? Nunca chegamos a saber, acho eu...

Ando pela blogosfera há 11 anos e, mesmo com tantas ausências que fui somando em algumas fases, nunca me passou (nem passa) pela cabeça fechar a porta deste blogue. Sei que mesmo recriminando-me por o deixar tanto tempo abandonado, quero continuar a tê-lo como um querido diário de bordo. O aparecimento de outras redes sociais, como o instagram, por exemplo, ou o aumento de popularidade que o facebook ganhou, têm sem dúvida contribuído para que os blogues, de uma forma geral, tenham perdido o seu peso inicial. Pela minha parte, confesso, só acabo por seguir aqueles que me aparecem através do FB. São quase exclusivamente Food Blogs e, mesmo esses, só quando me interesso pela receita vou à própria página.

Quem por aqui anda há tantos anos como eu, sabe bem como os blogues eram, para uma boa parte de nós, a conjugação de todas estas realidades que hoje estão dispersas por outras redes. Nos blogues partilhavam-se textos, imagens e música, tudo como uma regularidade diária, quando não mais de uma vez por dia. As caixas de comentários, por sua vez, eram verdadeiras salas de chat, numa cadência que mais lembrava o twitter. 

Por outro lado, o lado comercial da blogosfera transformou todo o cenário de fundo. É um ponto de vista, mas nunca foi o meu. Por isso esta carolice, de me permitir estar meses e meses sem aqui por os pés mas nunca desistir de continuar neste caminho da simples partilha, independente de números de visitantes e de comentários aos posts.

Regresso hoje, porque sim. E porque me apeteceu partilhar também aqui esta receita deliciosa inspirada no Gourmets Amadores. E porque me apetece, mais uma vez, mais um ano, prometer a mim mesma que vou manter alguma regularidade nos conteúdos publicados aqui. Vou conseguir?... Pois, não sabemos! Mas vontade há! Um dia de cada vez.






18.10.17

Crónica de uma Concentração


Talvez por que acredite que o verdadeiro poder é pacífico e silencioso nas suas ações não sou, por natureza, apologista de manifestações.

Cresci no florescimento de um Abril recém instalado. Tive muito pouco por que lutar, além dos meus objetivos pessoais. A coisa mais ativista que fiz - a única, em abono da verdade - foi montar guarda à porta da Faculdade de Direito de Lisboa quando esta foi fechada a cadeado pelos alunos. Convenhamos, havia a necessidade de fazer alguma coisa que criasse escândalo no ano em que o velho Prof. Martinez decidiu chumbar, praticamente na íntegra, os alunos da cadeira de Filosofia do Direito. Fora isto, em que ter vinte e poucos anos abonava, nada mais me consta no curriculum, a título revolucionário.

Quando anteontem começaram a surgir os primeiros apelos a concentrações visando manifestar a indignação pelos mais recentes acontecimentos, ateou-se um verdadeiro rastilho dentro de mim. Entre a mais silenciosa tristeza, a mais desalentada apatia e a mais profunda revolta que senti desde Domingo, havia uma espécie de digestão parada pela total incapacidade de processar tudo o que estava a ver, ouvir e sentir.

Sou, como uma boa parte da população lisboeta, neta e bisneta de gentes com raízes rurais. Eram-no - são ainda! - uma boa parte dos intelectuais, políticos e empresários deste país. Talvez por isso seja ainda mais dificil para mim compreender o total autismo que temos tido ao longo de décadas sobre a realidade - erros e negligências grosseiras múltiplas - que nos trouxeram até aqui. O desfecho está à vista e é quase insuportável pensar que podia ter sido pior.

Sou apartidária e não tenho exclusividade religiosa. O que me move, sempre moveu, são as causas. Foi aliás isso que me levou para o Direito, de onde saí logo que percebi que nos tribunais só há processos.

De Domingo para cá a gestão de emoções foi complicada. Entre o amor que tenho à "terra", o conhecimento profundo que tenho da zona centro, das suas gentes e das suas caracteristicas, a preocupação com a ansiedade que tantos amigos viveram sem saberem dos seus, a tristeza de ver há décadas o património natural deste país ser destruído sem responsabilizações e intervenções de fundo e o ceifar de vidas humanas e animais, juntamente com alguma da parca riqueza amealhada em pequenas empresas e habitações, foi devastador para mim. Pior, depois de um Junho que toda a razoabilidade devia ter tornado irrepetível durante décadas!...

Ontem, pela primeira vez na vida, fiz-me presente numa concentração coletiva. Era-me rigorosamente indiferente quem a tinha promovido. A minha presença ou ausência seria sempre um ato de consciência absolutamente individidual. Mesmo assim, debati-me muitas horas com a decisão de ir ou não ir.

Juntei-me a meia dúzia de gatos pingados, na verdadeira acepção de termo. Éramos poucos e chovia muito.

Importa-me muito pouco, para ser honesta, fazer juízos de valor sobre o que seja, nesta questão. Quem estava, por que estava é-me indiferente. Assim como quem não esteve e por que não esteve. Não gritei palavras de ordem, não pedi a demissão de ninguém e não entoei sequer o hino nacional. O que é exatamente o que faço quando vou assistir a uma missa. Para mim o silêncio é uma forma de oração e um meio privilegiado de comunicação.

Mas sei muito bem por que é que ontem estive em frente do Palácio de Belém. Assim como sei que a politica e os políticos seriam os últimos a mobilizar-me para tal.

Fui para honrar as minha raízes. Fui em nome do meu avô materno que fez este e tantos outros retratos e de quem ganhei a paixão pela fotografia. Fui por ele, que sabia o nome de todas as árvores e de todos os pássaros. Que como tantos outros da sua geração - a maioria! - migrou para Lisboa para poder ter e proporcionar o que na sua aldeia nunca poderia, mas que nunca a esqueceu e sempre a amou.

Fui pelas populações envelhecidas e pelas aldeias desertificadas que conheço tão bem.

Fui pelos amigos que ainda lá têm os seus, que ainda lá têm terras, que ainda sofrem por uma parte do território que Lisboa definitivamente esqueceu e que há muito entregou à sua humilde e ainda analfabeta sorte.

Fui pelo profundo sentimento de impotência e pela enorme frustração de viver num país totalmente alheado da importância vital do seu património natural, para todos nós!

Fui porque este retrato, passados que estão cerca de 60 anos, mudou em muito pouco ou quase nada sobre o que espelha das nossas populações rurais. Basta ver as imagens que nos entraram pela casa, nas últimas horas. Mas há cerca de 60 anos - há 40 ainda! - as aldeias estavam cheias de crianças, a escola estava na Vila ao lado da aldeia, os campos eram lavrados e cultivados para sustento das famílias e abastecimento de mercados locais e as matas limpas para rentabilizar ao máximo tudo o que delas provinha. Havia industria e emprego para fixar à terra quem dali não queria sair. Resta perceber por que é que tudo isso hoje parece impossível, quando não é!
Foi para isso que fizemos tantas estradas, não foi?...

1.5.17

No mundo encantado da Ilustração | Cicely Mary Barker { #2 }


Chega Maio, o mês das flores, e com ele a minha vontade de retomar os posts sobre os ilustradores que me fascinam. Inevitavelmente, a ilustradora escolhida desta vez teria que ser uma apaixonada representativa da natureza, com o encanto adicional de aliar na sua obra o contacto das crianças com ela e com todas as suas maravilhas. 

Num mundo ideal, todos seríamos capazes não só de ver os seres mágicos que habitam as florestas como também de brincar e aprender com eles. Não sendo possível - pelo menos para todos - esta é uma forma de nos deliciarmos com a pureza de um universo encantador, cheio de ternura e respeito pelo meio-ambiente. Aqui fica um pequeno resumo da vida desta talentosa senhora, que desde muito cedo se afirmou pelo detalhe do seu trabalho.


 



Cicely Mary Barker nasceu em 28 de junho de 1895, em Croydon, no sul de Londres, filha de Walter Barker e Mary Eleanor Oswald. O seu pai era descendente de uma família de escultores de madeira, profissão que também ele seguiu, razão pela qual terá incentivado o talento artístico da filha. 

Cicely era uma criança frágil que sofria de epilepsia, mas os episódios da doença desapareceram, ainda durante a infância, após a Primeira Guerra Mundial e nunca mais regressaram para a atormentar. Devido a essa fragilidade, a sua infância foi passada em casa, educada principalmente por governantas, tendo começado a desenhar ainda muito pequena. Quando tinha 13 anos, o pai matriculou-a na Croydon Art Society e inscreveu-a num curso de arte através de uma escola de correspondência, curso que a mesma terá frequentado até 1919. Embora não tenha recebido nenhum ensino artístico formal, o seu talento natural foi-se impondo e acabou por ser reconhecido aos 15 anos quando um conjunto de 6 cartões postais que ela pintou foi aceite por um editor. Por detrás deste reconhecimento esteve mais uma vez o seu pai, que levou exemplos do seu trabalho até o editor Raphael Tuck. Os cartões foram comprados por este e impressos como um conjunto de cartões postais. No ano seguinte, Cicely ganhou o segundo prémio num concurso de cartazes promovido pela Croydon Art Society, tendo sido eleita membro vitalício da mesma Sociedade e simultaneamente o seu membro mais jovem.

Cicely Mary Barker tinha sem dúvida um relacionamento especial com o pai, que revelava o maior orgulho na filha a quem gostava de chamar "Ciskin". Após a morte prematura daquele em 1912, a sua irmã mais velha, Dorothy, tentou sustentar a família com o seu parco salário de professora e Cicely também tentou ajudar, vendendo poesia e ilustrações para revistas como My Magazine, Child's Own, Leading Strings e Raphael Tuck anuais.


Quando era criança, Cicely tomou contato com os livros de Kate Greenaway e passou muitas horas na cama, a colorir meticulosamente muitos livros de pintura daquela conceituada ilustradora. Outra influência clara foi Beatrix Potter, sobretudo pelo estudo das flores com um olho de botânico. Além disso, Cicely foi também muito amiga de Margaret Tarrant, outra ilustradora de livros infantis até hoje reconhecida no mundo inteiro.

Os livros mais conhecidos em que suas primeiras ilustrações foram publicadas são 'Shakespeare's Children', 'Children of the Allies' e os deliciosos primeiros 'Fairy Cards'. Quando o pai de Cicely morreu em 1912, Cicely começou a dedicar sua arte ao movimento pré-rafaelita, na atmosfera pacífica de The Waldrons, e começou a criar as Fadas das Flores.



As fadas eram um tema popular na época. O livro do famoso criador de Sherlock Holmes, Sir Arthur Conan Doyle, intitulado "A vinda das Fadas" tinha sido publicado apenas um ano antes e incluiu cinco fotografias das fadas acompanhadas por duas meninas. As fotografias foram na época declaradas genuínas por um especialista, mas vieram a ser declaradas como falsificações na década de 1980. Queen Mary gostava do trabalho de temática de fadas da australiana Ida Rentoul Outhwaite e mandava postais com suas ilustrações de fadas para seus amigos. Foi também uma época em que as pessoas queriam escapar das duras realidades do progresso e regressar a uma era pré-científica, mais simples e mais inocente.




As fadas de Cicely Mary Barker foram baseadas no seu conhecimento de plantas e flores e nos seus estudos artísticos de crianças reais, cada uma vestida para representar uma flor diferente. Cicely sempre se esforçou para reproduzir nas suas ilustrações as flores e as plantas  com a maior precisão possível, muitas vezes frequentando um jardim local para colher todos os detalhes. O sucesso de seu primeiro volume em 1923, que ela também escreveu, levou à criação de mais sete. 

Em 1924, Cicely Mary Barker tinha um estúdio construído no jardim de sua casa, espaço esse que era simultaneamente a escola materna da sua irmã. Em 1961, confidenciou a um repórter:

"A minha irmã dirigia um jardim de infância e eu costumava usar os seus alunos para modelos.
Durante muitos anos eu tinha uma atmosfera de crianças ao meu redor. Nunca esqueci."




O seu primeiro livro, "Fadas das Flores da Primavera", foi publicado com muito aclamação em 1923. Adições a esta série continuaram por 1948 e concederam a Cicely o reconhecimento de ser  uma das principais ilustradoras do seu tempo. As suas obras passaram para a história literária e artística inglesa como clássicos infantis. A coleção dos seus livros de Fadas de Flores fizeram a sua aclamação internacional como artista. O charme delicado das ilustrações, aliado à sua meticulosa precisão botânica, tem cativado tanto crianças como adultos até hoje.




Muitos dos alunos da irmã apareceram como as suas Fadas da Flor até 1940, ano em que aquela fechou a escola. Depois da morte de Dorothy, em 1954, Barker projetou um vitral para a Igreja de St. Edmund em memória da irmã.

Cicely Mary Barker era uma cristã devotada, contribuindo com ilustrações para postais e cartões ao longo dos anos para a "Sociedade de Promoção do Conhecimento Cristão", a "Sociedade Amigável das Raparigas" e a "Sociedade para a Propagação do Evangelho". Em 1925, uma destas pinturas, foi comprada por Queen Mary. Além disso, Cicely foi autora de muitas pinturas em igrejas e de inúmeras doações de outras, para ajudar a arrecadar dinheiro.




Cicely Mary Barker continuou a pintar até que sua visão começou a falhar na reta final da sua vida. Morreu a 16 de fevereiro de 1973, com 77 anos, no hospital de Worthing. Coincidentemente, nesse mesmo ano, celebrou-se o quinquagésimo aniversário da publicação do seu primeiro livro 'Flower Fairy'. 











6.4.17

Project#6 | Isa Guitana Wong ✩ Professora de Ashtanga Yoga

Tem um sorriso transbordante e um olhar luminoso que irradia paz interior. A voz, de timbre forte e seco, invoca os ventos quentes do deserto. 
Conheci-a num dia em que o trabalho de ambas se cruzou e fiquei com a certeza de que seria uma das Mulheres que gostaria de trazer até este projeto.

Depois de um longo interregno e de muitas tentativas frustradas para conciliar agendas, o Project#6 regressa, ao fim de 8 longos meses de ausência. 

Escolhemos para esta conversa a companhia das dunas do Guincho, num fim de tarde que prometia um pôr do sol épico, que acabou por não acontecer. Tudo o resto foi perfeito. A energia que esta convidada emana só podia fazer com que tudo resultasse dessa forma.

Isa Guitana Wong, é a Senhora que se segue.





Isa, quando é que descobriste este amor e esta devoção ao Yoga?

Quando comecei a ser exposta ao Yoga, não estava muito interessada e recetiva, creio que ainda não tinha chegado o meu momento. Foi só quando senti pela primeira vez o Ashtanga Yoga em particular, aí sim foi amor à primeira prática. Toda a experiência senti-a como muito profunda, tudo aquilo que tinha acabado de fazer trouxe-me uma integração de todas as partes de mim, tudo fez sentido. Senti logo na primeira prática uma transformação de perspetiva na forma de sentir e observar o meu mundo interno, senti uma tomada de consciência em como aceder às diferentes camadas do meu ser e de como tudo se encaixa, embora que a um nível subliminar foi muito evidente.
Senti que este era sem dúvida um caminho a continuar. 

A devoção ao Yoga, começou a tomar expressão quando a prática me começou a fazer render a algo maior que me transcende. Quando passando a tomar maior consciência dos meus defeitos e das minhas qualidades, me ajuda a comprometer a gostar de mim tal e qual como sou, quando me mostra como cuidar de mim com um respeito profundo de que todas as minhas escolhas caminhem em direção à luz, quando me ensina a ser guardiã da minha mente e a estar presente e atenta ao que sucede depois do surgir de um pensamento, depois de verbalizar uma palavra no meu diálogo interno e com o outro, depois de um comportamento comigo e com quem me rodeia... e este referencial que a prática continuamente me dá, ajuda-me a conseguir melhorar os meus hábitos e a elevar os meus valores. Esta prática sem dúvida traz mais luz e sentido ao propósito da nossa Vida, delineando o nosso Destino honrando quem realmente somos, tornando-nos mais autênticos e verdadeiros connosco e com o mundo.



Que diferenças essenciais notas na tua vida, no que respeita ao antes e ao depois da tua iniciação na prática?

​A diferença essencial que senti na minha vida foi compreender o verdadeiro sentido do significado de Estar e de Dar. Sentir com o todo o meu ser o que é de facto estar presente incondicionalmente para mim própria e para o outro.
Claro que isso teve um grande impacto quando eu comecei o meu percurso na minha prática pessoal, não só porque eu senti em mim o quanto era aquilo que procurava, conhecer-me a mim própria, aprender a cuidar de mim com toda a minha presença, esta é a verdadeira dádiva, a cada prática proporcionar um encontro comigo em que ao desbravar terreno interno me permita gradualmente ser mais tolerante comigo própria, e a proporcionar mais espaço e tempo para aprender a crescer internamente como Ser.

Outro salto quântico foi quando comecei a ensinar, o assumir dessa responsabilidade que é tão grande, trouxe-me a mais pura das gratificações internas que podemos ter nesta vida... ao ensinar pude sentir de uma forma ainda mais clara o Estar verdadeiramente Presente para o outro, dando-lhe tudo aquilo que tinha ao meu alcance para o ajudar. Este cuidar do outro para que Ele encontre o seu caminho de volta à sua casa interna traduz-se em amor incondicional. 
Eu sou filha única e isso foi mesmo flagrante, estava mais habituada a receber … e esta descoberta mostrou-me a fonte inesgotável da felicidade suprema, o Dar, o Estar para o outro.

Ao longo destes anos ao receber tantos alunos é comovente e muito bonito ver a transformação pela qual todos passam, a partir do momento em que se inicia esta prática, este processo metódico conduz a nossa reflexão interna a trazer-nos uma melhor realização de quem somos em essência, acelera todo um processo de compreensão da nossa consciência interna, catalisa toda uma mudança de estilo de vida e de hábitos. 
Não nos tornamos diferentes daquilo que somos, pelo contrário tornamo-nos mais genuínos, próximos e fiéis àquilo que realmente somos e conseguimos fazer escolhas mais significativas na nossa vida e isto por si só traduz o quão profunda é a prática do Yoga. Chega até nós com milhares de anos de aperfeiçoamento e é sem dúvida uma grande ferramenta à qual podemos recorrer para nos ajudar neste caminho da vida. 



Da tua experiência, sentes que as pessoas procuram com frequência a prática de Yoga para resolver a agitação em que todos vivemos hoje em dia? Ou, de outra forma, achas que as pessoas estão a procurar meios alternativos - que curiosamente são milenares - para melhorar a sua qualidade de vida?

As pessoas procuram o Yoga por um vasto leque de motivos, quando chegam à Casa Vinyasa, alguns vêm para reduzir stress outros ​mais pelo desafio físico, outros simplesmente porque um amigo ou o médico disse que tinha de experimentar, todos os motivos são válidos...

​A agitação dos dias de hoje é essencialmente interna… e claro aparentemente externa, porque tudo se reflete, projeta e introjeta. O acalmar das aflições da agitação interna só é possível quando não fugimos delas, quando olhamos para elas com olhos de ver, quando as ouvimos sem censura e sem julgamento, quando as abraçamos em vez de lutarmos contra elas.

E a prática do Yoga, é isso, é uma tomada de consciência do que todo o nosso Ser seja no plano físico, mental, emocional ou espiritual está a tentar comunicar connosco. Essa comunicação é constante e começa por ser subtil, mas andamos muito distraídos, não prestamos atenção e quando não estamos presentes ela vai-se fazendo ouvir de forma mais evidente e aí manifesta-se através da dor, e quando ignoramos e não fazemos um trabalho de escuta interna instala-se a doença.

O momento da prática do Yoga proporciona momentos de escuta interna ativa, a prática ajuda-nos a olhar para dentro de nós e está constantemente a desafiar a nossa zona de conforto. A prática resume-se a isso, para crescermos internamente em todos os sentidos temos de sair da nossa zona de conforto, e é por isso que é uma prática e não apenas um exercício ... é um treino para a Vida que por sua vez é totalmente imprevisível. Daí ser tão importante uma prática numa base diária, porque se torna numa potente medicina preventiva para a Vida … seja por pouco tempo quinze, trinta minutos ou mesmo uma hora ou duas, apenas essa regularidade e continuidade de prática é determinante para estarmos mais preparados, resilientes e melhorarmos a nossa qualidade de vida.

É como se fosse também um espelho para a alma, que vai ficando cada vez mais nítido... por vezes é difícil olhar para dentro, mas a prática suporta-nos e convida-nos a mergulhar dentro de nós sem medo e a aprender que só ao confiar nesse processo profundo de aprendizagem, é que temos realmente a oportunidade de nos tornarmos gradualmente a melhor versão de nós próprios. 



Diz-me, isto do Yoga não pode ser um ato isolado, pois não? Ou seja, há toda uma forma de estar na vida que é prévia ou se altera em função dele, correto? Por exemplo, ao nível da alimentação, das horas de descanso... Há um Todo, por detrás desta vivência plena, um caminho holístico, não é?

A nossa natureza é inteligente, quando começamos um processo de prática de Yoga que nos limpa, que nos purifica, que nos desintoxica, as primeiras mudanças vão ser ao nível da alimentação ... sem esforço passamos a preferir ingerir alimentos mais saudáveis que nos nutrem não somente a um nível físico, mas acima de tudo a um nível emocional e psicológico ... e o primeiro alimento que nos acalma é a respiração... a relação com a comida passa naturalmente a ser menos ansiosa, porque já carregamos todo o nosso ser com Prana, energia vital durante a prática. Já não caímos tão frequentemente na falência da mente de que estamos com desejos disto ou daquilo (que sabemos que nos faz mal), a respiração já nos nutriu a níveis mais profundos. Como consequência, os ciclos de sono também regularizam porque sintonizamos com os nossos ciclos naturais porque estamos em processo de observação e escuta interna... questionamo-nos constantemente: o que é que todo o meu corpo/ser me está a pedir neste momento? o que é que vai promover neste momento um estado homeostático? ... e muitas vezes é o descanso, um bom relaxamento profundo de 15 a 30 minutos equivale a uma noite de sono porque conseguimos aceder a ondas cerebrais que regeneram todo o nosso cérebro.



O Yoga conduz a um estado de plenitude interior que se pode de certa forma chamar de Paz, não é? O que é preciso para isso: uma grande luta interior - todos animais são de certa forma caracterizados pela pulsão da guerra, da luta, do impulso da conquista - ou, pelo contrário, um estado de "desapego" e "abandono" à nossa essência?

Quando iniciamos a prática do Yoga, é uma grande descoberta que passa por diferentes fases. Creio que o que aconteceu comigo, acontece de diferentes formas com todos os praticantes: quando foi amor à primeira prática simbolizou um encontro profundo comigo mesma o qual proporcionou voltar a apaixonar-me por mim própria … esta cumplicidade interna trouxe momentos de êxtase/paz interna ficando inebriada e invadida por uma felicidade que não se explica por palavras.
Claro que os primeiros meses de prática são assim, tudo é novo e embora muito desafiante, tudo é encantador e nos fascina, é a descoberta de um novo mundo, para lá do que imaginávamos ser possível, damo-nos conta de um potencial mais vasto que reside dentro de nós.

Com o passar do tempo a prática encarrega-se de trazer tudo ao de cima, o melhor e o pior de nós próprios, e aí começa a verdadeira prática. A prática não deixa varrer para debaixo do tapete e deixar escondido aquilo que não gostamos, não nos deixa ignorar uma parte de nós, fingir que não está lá, o espelho é demasiado nítido, não distorce… e claro todo aquele encantamento inicial vai passar por altos e baixos e começam as primeiras tempestades e lutas internas. E são precisamente estas tempestades e lutas que proporcionam um terreno fértil para a mudança.
Nestas fases, sentimentos muito profundos vão ser trabalhados porque entramos em contacto com lados nossos que nos fazem sair da nossa zona de conforto… e com isso aprendemos a desenvolver paciência e compreensão de que nem tudo é tal e qual como gostaríamos que fosse e aprendemos gradualmente a desapegar-nos de querer controlar tudo e todos, porque isso por si só é um obstáculo ao encontro com a nossa essência.



És casada e tens dois filhos. O Yoga também está presente na tua vida familiar? De que forma?

​A vida é cheia de presentes e o maior deles é a família. ​
​E​u sinto que a minha família mais próxima, nomeadamente os meus pais, foram os meus primeiros ​gurus e com quem vivo e convivo numa base diária, o meu marido, os meus filhos são os meus gurus. Com eles aprendo tanto, é constante, o que aprecio verdadeiramente é que com eles que são tão próximos, tudo vem da forma mais pura, crua e autêntica possível e eles realmente me​ desafiam a trabalhar aquilo que há para resolver internamente. 

Na mais pequena troca, nos mais pequenos grandes episódios, por mais desafiantes que sejam temos de desenvolver recursos para não reagir e estar abertos e recetivos a deixarmo-nos inspirar por eles, pela mensagem que eles nos estão a tentar transmitir e inspirá-los de volta com um enorme sentimento de gratidão por eles estarem ali a mostrarem-nos o caminho. 

​A verdadeira prática do Yoga está na vida, o que fazemos na prática é um treino para nos prepararmos a nós próprios para a vida. Tal como a prática nos incita a olhar para dentro, não há nada mais poderoso do que as relações que temos com a nossa família: os padrões que nos damos conta que adotamos transgeracionalmente, o que vemos nos nossos filhos e como isso nos faz constatar os nossos próprios padrões é um referencial constante daquilo que temos de trabalhar internamente. 

Tudo isto traz uma profunda expansão da nossa auto-consciência, do nosso sentimento de conquista pessoal naquilo que realmente é determinante nesta vida e a prática do Yoga dá-nos um método acessível para encarar esses desafios.



Recomendas a prática de Yoga para crianças? A partir de que idade? Em que é que achas que isso as ajuda, no seu crescimento?

Sim, desde cedo, o mais cedo possível, desde que nascem. O Yoga dá recursos e estímulos que ajudam a/o Mãe/Pai e o Bebé a descobrirem-se, a conhecerem-se, a comunicar um com o outro. O estabelecimento desta relação mais basilar na vida é determinante na saúde a todos os níveis. Nas aulas de Yoga a Dois na Casa Vinyasa vejo a bênção que é ter nos primeiros meses tão desafiantes um espaço para respirar a dois, contemplar um ao outro, descansar… é excelente para os dois partilharem esse espaço interno que preza o sensitivo.

Para a criança o Yoga transmitido com uma abordagem lúdica planta sementes que vão ser muito determinantes na sua relação com o imaginário, com o sonho, dar espaço a esse mundo tão importante para a criança para que se encontre dentro de si e que se enraíze na vida real de uma forma mais mágica.

Mais tarde na transição para a adolescência, nessa fase de grandes mudanças, ajuda consideravelmente a encontrar uma relação mais harmoniosa com o seu universo interno e como se expressar confortavelmente sem perder a sua idiossincrasia de acordo com as diferentes solicitações que a vida começa a trazer nesta transição e ponte para o estado adulto.



Achas que o Yoga devia ser parte dos programas curriculares, a par da Educação física, nas escolas?

Absolutamente, acredito que isso se manifeste mais tarde ou mais cedo a um nível global. Não somente a par da Educação Física mas também como uma disciplina mais filosófica e de reflexão interna. O Yoga envolve o movimento do corpo mas assenta acima de tudo no movimento da Consciência, o aprender a Estar Presente onde é mais necessário a cada momento para deixar que essa ligação e conexão interna nos guie para fazermos as escolhas mais sábias e sabermos navegar na vida com equanimidade. Essa é a melhor contribuição que podia ser feita ao nível do sistema educativo.



Fizeste a tua formação, ou parte dela na Índia, não foi? Conta-me tudo sobre isso, sobre essa viagem dos sentidos, à pátria do Yoga.

Ohhhh a Índia, essa terra e esse povo tão únicos com os quais tive o privilégio de aprender tanto em períodos largos, ao longo dos 10 anos que passei lá. Posso dizer que já viajei bastante mas como a Índia não há igual... é único, é de uma riqueza incomparável em termos de estímulos ao nosso espírito. Tenho memórias-tesouro de momentos de infinita beleza na simplicidade de episódios em que me corriam lágrimas de emoção que me fizeram sentir que aquele lugar era o lugar para se estar e me deixar ficar.

A Índia tem sido para mim, mais do que qualquer outro lugar no mundo, um lugar onde vivi importantes mudanças na minha vida. Mencionando as mais importantes, o lugar onde conheci Guruji, Sri K. Pattabhi Jois que me inspirou a dedicar a minha vida à prática e ao ensino do Ashtanga Yoga; o lugar onde vivi sozinha pela primeira vez, o lugar onde concebi o meu primeiro filho, o lugar onde me apaixonei à primeira vista pelo meu marido... Trouxe-me tudo o que se pode querer nesta vida! Um lugar muito especial, que facilita a possibilidade de me desligar do mundo externo e de me dedicar inteiramente, de uma forma intensa e focada a esta prática espiritual, desbravando terreno interno conduzindo-me de volta a "casa", ao âmago do meu ser. Cada viagem tem sido assim muito enriquecedora contribuindo de uma forma decisiva e desafiante quer ao nível pessoal como profissional.

Recordo Guruji com muito carinho, respeito e sempre muita saudade. Guardo dentro de mim a sua presença, a sua voz, o seu toque, o brilho do seu olhar. É quase difícil transmitir em palavras e sem me emocionar a profunda admiração, devoção e fonte de inspiração que sinto por ele. Era impressionante sentir o amor que ele tinha ao transmitir esta prática, a forma como vibrava ao passar de forma tão simples a sua mensagem. Quando o conheci já tinha 86 anos e o seu espírito era como o de uma criança, cheio de vida e o seu sorriso denotava um encanto e uma satisfação únicas. Sinto-me profundamente grata por me ter cruzado com ele nesta vida ... por ter sentido e recebido a firmeza do seu toque com toda a fé, entrega e confiança ...​ ​por ​ter ​ouvido a sua voz bem pertinho durante e depois de cada ajuste quase a sussurrar: breathe one, two, three ... A relembrar-me do mais importante, uma respiração de cada vez​ ​...​ recordo-me ​vividamente​ de todos e em particular do primeiro e último ajuste que me fez. Foi muito bonito poder estudar com ele todos estes anos e continuar a senti-lo tão perto cada vez que ensino, cada vez que reproduzo nos meus alunos tudo aquilo que ele me passou.

Continuei os meus estudos com Sharath, o seu neto, e ele puxa por mim de uma forma muito única e singular. ​D​esde a minha primeira viagem à ​I​ndia em 2002, ​e em todos os anos subsequentes em que passei vários meses por ano em Mysore, ​tive o privilégio de estudar diretamente com Guruji sempre acompanhado do seu neto Sharath. ​D​esde o início, ainda no antigo​ shala​ em Lakshmipuram, Sharath sempre me soube confrontar comigo mesma e tem sem dúvida a capacidade de me tirar da minha zona de conforto​, o que me parece fundamental para que neste solo fértil da prática do Yoga, ocorram as devidas transformações e se colham frutos. Depois do Guruji deixar de ensinar e passar o testemunho ​a Sharath, sinto que embora ele tenha herdado centenas e centenas de alunos para cuidar, ele conhece-me e sabe perfeitamente onde me encontro na minha prática continuando de forma sólida a desafiar os meus limites. Recordo com muito carinho um momento especial em 2010 quando tive de dar parte de uma aula guiada no shala​ (Shri K. Pattabhi Jois Ashtanga Yoga Institute) repleto de alunos em frente ao Sharath como parte da avaliação para o curso dos professores autorizados. Aprendi muito também quando tive a oportunidade de assistir Sharath em 2011. Nestes últimos anos tem sido emocionante e uma honra poder não só praticar mas também ensinar sob a orientação de Sharath no mesmo shala onde Guruji ensinou.



Já tiveste outra atividade profissional? Se não fosses professora desta prática, o que te imaginavas a fazer? 

Estudei psicologia mas nunca cheguei a exercer porque entretanto o Yoga intersectou-se (e ainda bem ...) pelo meu caminho. Claro que nada é por acaso, e um percurso de vida prepara-nos gradualmente para aquilo que mais tarde vai ser necessário. Tudo aquilo que aprendi em psicologia aplico diariamente quando ensino Yoga.
E consigo sentir que todos estes anos a aplicar a minha voz como professora de Yoga ajudaram-me a perder a minha timidez a cantar em público. Adoro cantar, adoro sentir a vibração da minha voz no meu corpo, no meu Ser, adoro acalmar estados de espírito com esta expressão tão libertadora e que nos dá acesso imediato e direto ao Divino.

Adorava ser cantora. E só agora há muito pouco tempo assumi essa parte de mim por inteiro, foi como um renascimento … desde que me conheço que aquilo que mais gosto de fazer na vida é cantar … e se tivesse essa oportunidade gostava de partilhar a minha voz com o Mundo.



Fizeste anos há pouco tempo. És Peixes, o signo da intuição e da sensibilidade. Este ano celebraste o teu dia de aniversário de uma forma muito especial, com a partilha de um sonho realizado. Fala-me um pouco mais dessa tua outra paixão. 

Sim, foi mesmo a realização de um sonho de infância, gravar um videoclip musical e partilhá-lo com a minha família alargada de alunos. Lembro-me que em pequenina passava horas a ouvir música e a ver videoclips, a cantar e a dançar no apartamento mínimo dos meus pais na Lapa, mas que tinha uma sala grande e esse era o meu “palco”! Cantar era algo mais forte, até nas aulas eu estava sempre a cantarolar, ao ponto de um dia, embora sendo o que se considera uma boa aluna, ter ido para a rua numa aula de Economia porque não conseguia parar de cantar. Esse era o meu estado natural.

Com a adolescência, creio que a minha mente me convenceu de que não cantava assim tão bem e deixei progressivamente de cantar. Só retomei mais tarde na Índia. E no meu primeiro dia de aulas de canto com a minha primeira professora, quando comecei a Cantar de novo, não consigo expressar em palavras o que senti, só sei que a emoção tomou conta de mim e chorei um Oceano por voltar a entrar em contacto com a minha essência mais pura, mais minha, das saudades que eu tinha de cantar. 

E no ano passado, senti um chamamento muito forte e consegui conquistar o medo de ir atrás desse sonho, senti mesmo "é a hora, não vou adiar mais", e tudo, absolutamente tudo fluiu inesperadamente muito bem, sem esforço e muito mais rápido do que alguma vez imaginei. Quando estamos alinhados com o nosso propósito o Universo providencia tudo aquilo que a mente nos diz ser impossível, está sempre lá a tentar convencer de que não somos bons o suficiente, mas fi-lo por mim e estou muito feliz por ter conseguido transcender e ultrapassar o medo de me expor. Sim, porque quando cantamos é como se estivéssemos nus, transparece o nosso lado mais puro, a nossa alma fica impressa na vibração do som que atravessa o espaço. E fico comovida quando agora que tenho tido a oportunidade de cantar em ambientes com centenas de pessoas, e convido a quem me está a ouvir a cantar comigo, no final, algumas chegam ao pé de mim em lágrimas e sem conseguirem articular um palavra de tanta emoção apenas me dão um abraço forte e sentido. É muito gratificante através da voz poder ajudar quem me ouve a libertar emoções que tinham de sair. Cantar é tão terapêutico, como o senso comum diz: quem canta seus males espanta! E o canto devocional é isso, não é uma performance, não há afinados ou desafinados ... é um canto que vem de dentro do coração e que limpa a alma.



Tens de certeza um ou dois "Mestres" que te guiam, quem são e porquê?

Com todo o respeito aos “Mestres” que se têm atravessado na minha vida e que contribuíram largamente para aquilo que sou hoje, não consigo nomear nenhum em particular.

A minha grande Mestra é a Intuição, e procuro honrá-la sempre.
Deixo-me guiar acima de tudo pela minha intuição, e quem me conhece a um nível mais íntimo sabe que encaro toda e qualquer interação (mesmo que aparentemente insignificante) como sinais constantes que estão a ser transmitidos pelo Universo.

Procuro estar muito atenta a cada troca com o mundo externo e o impacto que tem no meu mundo interno, seja em que forma e expressão ela tomar ... às vezes tudo vem muito dissimulado e claro que a mente pelo meio distorce aquilo que a Fonte está a tentar transmitir.
Nada, absolutamente nada, é por acaso e se vem ter connosco é porque estamos preparados para receber esse sinal que estimula todo o nosso Ser na aprendizagem de uma progressão de compreensão do nosso propósito de Vida.



Se pudesse definir a paz mundial numa imagem, qual seria?

O símbolo do OM – o som primordial, o sopro vital, o som de vida. Ele equilibra o ser dando-lhe todo o seu poder estabelecendo a harmonia entre o corpo, a mente e o espírito.
Quando estamos integrados em harmonia, a Paz instala-se internamente no nosso microcosmos e vibramos a um nível energético que influencia tudo o que gira à nossa volta, o mundo, o macrocosmos.


✩ fim ✩

5.1.17

No mundo encantado da Ilustração | Elsa Beskow { #1 }

Desde criança que o mundo da ilustração infantil me apaixona. Estimulada pela cor, pela harmonia e por todos os detalhes que muitas das ilustrações dos meus livros de infância me ofereciam, era capaz de passar horas a contemplar as imagens que, muito para além da história que se contava nas palavras, me ofereciam todo um banquete para a vista.

Toda esta atividade lúdica agradeço ao estímulo da minha mãe, que sempre procurou nas livrarias o melhor que neste campo era possível oferecer, mesmo quando em Portugal a oferta nesta área era tão diminuta.

Com o passar dos anos, a paixão manteve-se. Nas minha incursões à Feira do Livro de Lisboa muitas das compras recaíram ao longo do tempo sobre esta categoria de livros. Verdadeiras obras de arte, muitas delas com prémios internacionais. 

Há muito que gostava de ter dedicado tempo a uma rubrica sobre este tema, aqui no blog. Se há veículo privilegiado para esta partilha é sem duvida este. E tenho a certeza que reúne em torno de si muitos fãs. É por todos os apaixonados por este mundo que a faço também.

Não posso dizer que tenha sido muito difícil escolher o primeiro ilustrador para o primeiro post, de entre as dezenas que me encantam, dos mais clássicos aos mais contemporâneos

Elsa Beskow é sem dúvida uma das minhas ilustradoras preferidas, por toda a sua conexão e sensibilidade à natureza e à infância.

As ilustrações que se seguem são apenas um pequeno apontamento do gigantesco património que nos deixou ao longo dos seus anos de atividade. 

A sazonalidade, outro tema que me é tão querido e importante, está bem patente nesta mostra. 

Depois destas deliciosas imagens, conto-vos um bocadinho da sua história, pesquisada um pouco por todo o lado, com a preciosa ajuda desse grande gigante amigo, chamado google.


































Elsa Beskow nasceu em Estocolmo a 11 de Fevereiro de 1874. Autora e ilustradora sueca de renome mundial, ficou conhecida pelas suas ternas histórias de crianças contadas em livros ilustrados. O seu extraordinário talento e a sua sensibilidade artística, caracterizada por uma magistral atenção aos detalhes, renderam-lhe mesmo o epíteto de a  Beatrix Potter da Escandinávia. 

Temperando a realidade da natureza com os contos de fadas, Elsa Beskow aliava a sua intenção de educar à sua capacidade de ver o mundo pelos olhos das crianças. Muitos dos seus contos relatam aventuras idílicas passadas na Natureza e acontecimentos místicos com duendes e outras figuras imaginárias. As crianças são apresentadas como seres bondosos, ordeiros e corajosos. 

Filha de um descendente de Noruegueses e de uma Sueca, Elsa Beskow foi criada numa casa liberal e ensinada a defender as suas convicções. Muitos dos valores que lhe foram incutidos acabaram por ser expressos nos livros ilustrados que concebeu para os seus filhos. No seu livro "The flower festival", escrito em 1914, a autora proclamava a liberdade de expressão para todos. Alguns dizem que a Sra. Chestnut, protagonista da história, é retratada como grávida, no seu vestido solto - uma coisa demasiado ousada para fazer numa época em que se considerava que as mulheres grávidas deviam ser mantidas atrás das portas fechadas e fora do alcance da vista, num certo recato.

Em 1892, aos dezoito anos, Elsa Beskow prosseguiu os seus estudos na Academia Real Sueca de Artes em Estocolmo, onde aprendeu o que mais a apaixonava - o desenho. 
As suas ilustrações e histórias foram publicadas pela primeira vez em 1894, na revista infantil muito popular, Jultomten (Pai Natal), e o seu livro de estreia, "The Tale of the Little, Little Old Woman" foi lançado em 1897. 

Foi nesse mesmo ano que, na Universidade, Elsa conheceu Nathaniel Beskow, com quem viria a casar em 1897. Elsa era na época um modelo para pinturas de Nathaniel, mas após o casamento este mudou o seu rumo, deixou a arte para trás e retornou os estudos de teologia que tinha interrompido. Foi diretor da escola onde Elsa também lecionava, escritor, pregador, pacifista e ativista social. Publicou coleções de sermões e fez contribuições significativas como um escritor de hinos. Enquanto ativistas, Elsa Beskow e o marido apoiaram e estiveram diretamente envolvidos na campanha das sufragistas suecas. 

Entre os anos 1899 e 1914, Elsa e Nathaniel Beskow tiveram seis filhos. Elsa Beskow apoiou a sua crescente família com a sua escrita e retratou a sua vida como "Todos os anos outro livro e todos os anos outro menino". A arte, a literatura e a música eram muito importantes na casa Beskow.

A projeção internacional de Elsa Beskow aconteceu no virar do século, em 1901, com "Peter in Blueberry Land", o seu primeiro livro a ser traduzido. A partir de então, os seus livros ilustrados tornaram-se extremamente populares e foram traduzidos em quinze idiomas. Árabe, dinamarquês, holandês, inglês, feroês, finlandês, francês, alemão, islandês, japonês, coreano, norueguês, polonês, russo e espanhol.

Sem sombra de dúvida, os seus filhos e a natureza foram a sua maior inspiração. Os filhos transformaram-se em modelos para as crianças que retratava nos seus livros e para cada um foi criada uma história e um livro.

A família Beskow vivia numa antiga mansão de madeira na periferia de Estocolmo, cercada por um enorme e selvagem jardim. Era aí que a autora se costumava sentar para desenhar e deixar as maravilhosas flores, plantas e insetos  funcionar como inspiração, combinando a realidade com os contos de fadas. Animais, crianças, bagas, flores e duendes ganharam vida ao longo de décadas, nas suas coloridas e detalhadas  aguarelas de matizes claros. Todo um mundo encantado, emergido de jardins secretos e florestas mágicas.

Apesar de tudo, a vida da autora nem sempre foi idílica. Em 1922, o seu filho mais novo morreu com sete anos num trágico acidente enquanto patinava.

Já o seu filho Gunnar Beskow foi um aclamado geólogo, autor, poeta e personalidade cultural, autor de um trabalho inovador na Suécia, ainda hoje relevante nas questões ambientais e ecológicas do país, tendo ainda sido presidente da Associação de Autores Suecos 1948-1950.

Outro dos seus filhos, Bo Viktor Beskow estudou na Royal Academy of Art em Estocolmo, Paris e em Roma.Versátil na sua arte, imortalizou-se na pintura a fresco, na pintura mural, em vitrais de igrejas ao redor da Suécia e em pinturas de retratos, bem como em murais na sede da ONU, em Nova York.

A 30 de Junho de 1953, Elsa Beskow morreu vítima de cancro aos 79 anos. Quatro meses depois, em 8 de Outubro, o seu marido, Nathaniel Beskow morreu também.

A notável e vastíssima obra de Elsa Beskow merece ainda hoje e, talvez com razão acrescida, cada vez mais a nossa admiração.
Com mais de quarenta livros publicados e  ilustração de canções e de livros de abecedário para as escolas suecas, a artista era uma verdadeira visionária para a sua época. 

A consciência que a vida do planeta Terra cada vez mais nos solicita, o apelo para estarmos cada vez mais atentos e envolvidos com o meio ambiente que nos rodeia, eram já bem visíveis na sua obra. Ainda que para Elsa não fosse possível antever a relevância e urgência que a sua mensagem, de amor e respeito pela Mãe-Natureza e de criação de autonomia e responsabilidade pela criança, viria a ter dois séculos depois, vale a pena escutarmos com atenção o que as entrelinhas do seu mundo imaginário nos ensinou de tão magnífico e importante.

Reensinemos as crianças de hoje a ficar mais perto do essencial.