Há pessoas que são difíceis de resumir em palavras. A Patrícia é uma dessas pessoas, o que me torna difícil a tarefa de construir um breve texto, para a apresentar.
Sei que se disser que a Patrícia é uma Mulher inteira não falho. Depois, se quiser traçar o seu perfil pelos detalhes, tenho necessariamente que dizer que o seu universo é uma espécie de conto de fadas. Não por que existam vidas perfeitas, mas porque há pessoas que têm uma espécie de varinha de condão instalada na alma e essa varinha de condão é capaz de semear beleza e harmonia em tudo o que toca. É o seu caso.
Numa manhã de Fevereiro, a Patrícia recebeu-me em sua casa. À mesa do pequeno-almoço havia sumo de laranjas e tangerinas colhidas das árvores do seu jardim, pão fresco e manteiga de cabra. O dia começava com a mesma rotina de todos os outros: preparar lanches, levar o filho mais novo à escola, ir ao Mercado. Porque os verdadeiros contos de fadas também têm tudo isto. São as imperfeições que os tornam perfeitos.
Percorri consigo o dia e submergi no seu universo.
A dado momento desta entrevista, perguntei à Patrícia qual era o elemento com que se identificava. A resposta que deu deixo para a vossa leitura, mas eu atrevo-me a corrigi-la. A Patrícia é Terra, Ar, Fogo e Água. É uma incorrigível romântica com uma alma pura, livre e selvagem, que concebe pequenas grandes obras de arte com os quatro elementos a regê-la.
O resto conta ela...
Patrícia, começando pelo principio, como é que surgiu este gosto pela bijutaria?
PN - Desde miúda sempre senti uma grande felicidade em me arranjar com adornos, roupas, chapéus e bijutaria. Vestia as roupas e os colares da minha mãe e brincava durante horas. Frequentei uma escola que ficava muito perto de uma loja de noivas com fabrico próprio, onde eu passava ao final da tarde para pedir restos de tecidos para fazer roupas para as minhas bonecas. Era maravilhoso quando recebia aqueles tecidos cheios de flores e brilhos! Havia sempre uns mais especiais do que outros e desses eu fazia as peças mais especiais para as bonecas e pequenos adornos para mim também (riso) Mesmo na adolescência, sempre tive gosto por me vestir e usar peças diferentes. Eu própria as fazia. Até cheguei a fazer um fato de banho e biquinis onde colocava umas grandes missangas. Muitas vezes o que acontecia é que sentia uma necessidade de fazer coisas diferentes das que via nas lojas. Queria que ter algo mais especial e metia mãos à obra! Agora, olhando para trás, percebo que sentia um enorme prazer em criar.
Em todas as tuas coleções, há uma forte presença de flores e de animais. Qual é a influência da natureza no teu trabalho?
PN - Os meus avós viviam no campo e tinham animais. Tanto os meus avós maternos como paternos. Então cresci perto de muitos animais domésticos e também com criação de animais. Patos, perus, galinhas, coelhos... as tais fracas que ainda não conheces e de que falava há pouco, quando fomos ao mercado.
O meu avô levava-me muitas vezes a dar passeios pelo campo. Eu apanhava joaninhas, gafanhotos e grilos. Andava sempre com um frasquinho com bichinhos que depois soltava no jardim da minha avó. Cheguei a ter 26 grilos numa caixa de papelão! (risos) Sempre gostei de ter animais! A mesma coisa acontecia com as flores. Constantemente apanhava flores. E enfeitava-me muitas vezes com elas. A minha avó materna adorava flores. Observava-a muitas vezes a cuidar dos canteiros e dos vasos com flores. A minha mãe também adora flores e plantas. Não resiste a uma ervinha, como costumamos brincar! Ainda hoje foi quem preparou as jarras com flores em minha casa. E depois o gosto pelas flores também se refletia quando vestia as minhas bonecas, no sentido em que sempre tive preferência por padrões florais. Assim como ainda hoje tenho muitos padrões florais nos meus vestidos ou faço questão de trabalhar com flores e dar-lhes as formas que sempre me deslumbraram na natureza. E quando junto um animal a um colar, depois de algumas horas, temos uma peça que para mim é muito especial.
Outra referência muito notória nas tuas criações - e até mesmo na decoração e ambiente do teu atelier - é a do universo das histórias infantis. Isso é reflexo das tuas experiências de infância ou é mais da criança que ainda vive em ti?
PN - Eu penso que será a junção das duas. As nossas experiências fazem de nós o que somos. Sem dúvida que a minha infância teve uma influencia enorme no que faço e considero que, com muita sorte, ainda mantenho essa criança bem viva. Os livros que os meus pais me ofereciam em criança eram para mim maravilhosos. Eu lembro-me de ficar horas infinitas a observar os livros da Anita. Anita e as quatro estações... ainda me lembro da Anita com cerejas nas orelhas... Adorava!! Lembro-me da serenidade que me transmitia a Anita mamã... Certas ilustrações são de facto uma fonte de inspiração. Ainda hoje muitas vezes não resisto a um livro que eu considere bem ilustrado, a uma boneca já usada, a um coelho... enfim... na decoração do meu atelier é importante estar presente aquilo que me faz feliz. É isso também que gosto de transmitir aos meus clientes. Aquilo que sou. Tenho que me sentir bem onde estou a criar. Muitas vezes levo peças de casa para decorar o Atelier, por isso mesmo. Gosto que esteja representado no atelier uma parte da minha intimidade daquilo de que estou rodeada no meu dia a dia. Os meus objetos pessoais. O meu mundo ao meu público! (risos) E é esse o lado mais arranjado do Atelier porque também há muita desarrumação... essa está também à vista dos meus clientes. A confusão na minha bancada de trabalho! É inevitável!... mas é daquela confusão que saem muitos bons trabalhos (gargalhada).
O que é que achas que as tuas peças acrescentam ao universo feminino?
PN - Eu procuro que as minhas peças sejam criativas, delicadas, divertidas e cheias de pormenor. Em todos os meus modelos eu crio formas e detalhes especiais que nos prendam o olhar. Gosto de fazer peças que sejam fáceis de usar no dia a dia, mas que sejam de certa forma marcantes. Que se destaquem pela excelência do pormenor. Tenho todo um cuidado em trabalhar os detalhes das minhas peças. Em juntar diferentes texturas e cores e torna-las peças que considero especiais. O gosto pelo pormenor, pela cor e pelo detalhe, fazem a diferença. As mulheres que usam as minhas peças, são mulheres dinâmicas, sensíveis, autênticas, contemporâneas, que gostam de se sentir bonitas e que sabem exatamente do que gostam. Levo ao universo feminino peças que traduzem a beleza da natureza. Um trabalho artesanal mas com qualidade. Nas minhas criações existe uma boa harmonia entre formas, cores e materiais, que acabam por se realçar por si só e também iluminar de certa forma quem as usa. Construo uma belíssima união entre peças vintage, cristais, com semi preciosas, com vidros, com tecidos. Utilizo nas minhas peças componentes que eu própria mando banhar a ouro de 14 quilates e o resultado é sempre muito apreciado. São peças únicas. As minhas clientes recebem com frequência bastantes elogios quando usam as minhas criações. E nós, mulheres, gostamos de nos sentir assim, apreciadas e únicas. Não será essa também a própria essência da mulher?...
Agora falando de ti. Também tu és muito feminina. E muito romântica. Podes desvendar-nos um pouco mais desse teu universo, tão especial?
PN - Sim também sou romântica!... (gargalhada) E muito idealista também, o que por vezes complica um pouco as coisas (e continua na sua generosa gargalhada). Também sou fácil de me relacionar. Tenho inúmeras conversas que parecem intermináveis com as minhas clientes, no Atelier. Sou bastante comuniativa e alegre. Muito entusiasta, tanto na conversa como na vida, como tiveste oportunidade de observar!
O facto de ser muito extrovertida e sentir-me bem reflete-se no meu universo feminino. Isso passa também por ter uma boa noção do meu corpo e de saber o que me fica bem. Depois, como sou um espírito criativo, muitas vezes arrisco em vestir ou usar coisas diferentes, porque me deixam feliz ao usa-las, sem receio de críticas!... Não sou de me incomodar com o que os outros pensam! Sabes como é aquela história, do menino, de velho e do burro? Pois... é essa a moral da história (risos)
Adoro vestidos, lenços, chapéus, os mais variados acessórios, que tanto possa conjugar num look mais simples para trabalhar no atelier ou ir ao mercado às compras, como para sair para jantar com os meus amigos ou mesmo levar a uma cerimonia. Mas acima de tudo gosto de me sentir confortável. Quando tenho pouco tempo, muitas vezes esse conforto passa por sair de casa de cabelo apanhado ténis, uma t-shirt e umas calças largas. Fantasticamente confortável!
Vives em Setúbal. Sempre viveste aqui? Qual é a tua relação com a cidade e com a magnífica Serra da Arrábida, que é tua vizinha?
PN - Nasci e cresci em Setúbal, cidade que adoro. Já vivi em Lisboa, porque o meu marido é de Oeiras e trabalhava em Lisboa. Também já vivi em Inglaterra, para ser mais exata em Brighton, uma cidade cheia de artistas e talentosos criadores. É uma cidade extraordinária onde me sinto sempre muito feliz em voltar. Setúbal é a minha cidade. Sinto-me muito feliz aqui e na magnífica Serra da Arrábida onde, desde que me lembro, sempre fui passear. As nossas belas praias não só foram fortes fontes de inspiração como foram algumas vezes fontes da própria matéria para os meus trabalhos. Em miúda apanhava muitas bagas na serra e fazia com elas pulseiras e colares. Nas praias de Tróia apanhava conchas lindas com as quais fazia brincos, colares e até quadros. Ainda hoje tenho conchas que apanhei há mais de vinte anos. Claro que as minhas praias favoritas são aqui!
Além do tempo que dedicas ao teu trabalho e à tua família, o que é que mais gostas de fazer?
PN - Nada melhor que um domingo à mesa com a família. O meu marido trabalha fora do país durante a semana e para mim são muito importantes esses momentos em casa e essa paz, para fazer tudo o resto.
Além disso, gosto muito de viajar. Viajo muitas vezes sozinha e gosto dessa liberdade. Viajo em especial para Londres e Paris. São cidades que conheço relativamente bem e já há muitos anos. Caminho durante horas a fio. Nestas cidades muito cosmopolitas encontro sempre focos de inspiração que me ajudam a evoluir também como designer. Sempre que me é possível viajo! Gosto de procurar peças antigas nos antiquários... é um gosto de sempre! (dá para perceber, não dá?... risos) Gosto muito de desporto ao ar livre, tenho imensa dificuldade em frequentar o ginásio... Gosto de passear pelo campo e pela praia e de observar a beleza das paisagens. Gosto de passar tempo com os meus amigos, gosto muito de musica e de dançar. Gostava de ter mais tempo para projetos que tenho sempre em mãos e que vão ficando por fazer.
É inevitável voltarmos ao tema dos animais. Tens três gatos. Qual é a tua relação com eles? E com os animais, em geral?
PN - Adoro os meus gatos! Depois de um dia agitado ajudam-me a relaxar. Fazer-lhes festas é relaxante. Cada um tem um caráter diferente. Gosto muito do Miau porque é o mais velho e cuida dos outros dois. O Thomas é o mais pacholas e meigo. Passa muito tempo no meu quarto. Gosto de vê-lo lá! A Maria é a que me dá mais trabalho por ser a mais nova e andar sempre a sair de casa para o jardim. Gosto muito de cães mas de momento não temos nenhum. Não gosto de animais nos circos, em palhaçadas, não gosto animais atrás de grades. Nem de golfinhos em tanques, nem de trabalhos forçados em animais. Sempre que me foi possível ajudei animais. Sempre que posso, levo mantas e mantimentos para instituições de animais que sobrevivem da caridade. Mas quando me perguntas qual é a minha relação com os animais em geral, perguntas-me uma coisa particularmente difícil, em que tento não ser contraditória... E não posso deixar de referir isto, não posso florear as coisas sem ser prática e objetiva. Há muitos anos que tenho preocupação com o que se passa na industria pecuária. É um horror! A forma como os animais crescem e vivem para nos servirem. Os ovos, os laticínios, os derivados... não sou vegetariana mas tenho muito cuidado com tudo o que compro para minha casa. Tenho a sorte de conhecer pessoas que têm criação e onde compro animais que viveram livres e felizes. Quanto aos da floresta, da savana, da selva e aos marinhos lamento que cada vez lhes tiremos mais espaço e a vida com a nossa chamada civilização... Mas de vez em quando lá vai um frango assado que nasceu e viveu sem ver a luz do dia...é horrível! Sinto-me mal! Também de vez em quando lá marcha um BigMac... (risos) é para mim um assunto bastante delicado.!... É como amar a natureza e ter um carro que bebe não sei quantos litros de gasóleo...o que é que eu hei-de fazer!?? Não sou perfeita!
A propósito, se fosses um animal, que animal serias? Porquê?
PN - Se fosse um animal seria uma ave! Uma ave rara!!! (gargalhada solta, sonora)
As aves parecem-me sempre animais mais livres, Talvez uma andorinha. São aves que não sobrevivem em gaiolas. Assim como eu. São aves belas. O seu vôo é muito ágil e realizam longas migrações. Gosto disso! Observar o voo das andorinhas no final de uma tarde de verão é maravilhoso, não é?
E elemento? Que elemento és? Terra, Ar, Fogo ou Água? Porquê?
PN - O meu elemento?... Penso que é o Ar. Por gostar de me sentir livre, por ser muito fácil de comunicar, porque sou sociável e flexível... Também me disperso com muita facilidade... como pudeste observar!!! (os risos são inevitáveis, ao fim de um dia com tanto por que nos dispersámos)
Uma pergunta de algibeira: se tivesses que definir as tuas criações numa palavra, qual seria?
PN - Únicas
E para terminarmos, se tivesses que te definir num verbo, que verbo seria? Porquê?
PN - O Verbo Valorizar.
Cada um terá a sua defenição de uma boa vida. Eu tenho a minha. E na minha, se tenho sorte em ter saúde e se os que mais amo estão bem, eu valorizo. Sinto-me muito grata e cheia de sorte por poder viver o mais intensamente possível e fazer o que gosto. Valorizo a saúde, valorizo o amor da minha família, valorizo as boas gargalhadas, os bons amigos. Valorizo os pardais que dormem nas minhas laranjeiras porque adoro ouvi-los. Valorizo as próprias laranjeiras!!! Valorizo o voo das andorinhas no final de uma tarde de verão, com já te disse há pouco. Valorizo a água do mar a bater-me no rosto... é maravilhoso poder fazer tudo isso. Até as minhas rugas eu valorizo! Uma grande gripe eu valorizo, porque ser relativamente fácil de curar. Tenho uma boa noção do sofrimento alheio e valorizo tudo de bom que tenho. Fico feliz por isso e sou feliz com isso. Muitas coisas que talvez aos olhos dos outros pareçam até ridículas, mas que na verdade são as que eu valorizo. O pormenor e as pequenas coisas fazem a grande diferença. Talvez seja como nas minhas criações...