Creio não exagerar se disser que Janeiro é provavelmente o mês mais mal amado do calendário.
No dia 31 de Dezembro estamos todos fartos, queremos mandar embora o que não foi bom e o que nos desgastou, queremos celebrar o que nos fez bem e o que nos marcou e mudou para melhor. Tudo com festa, pompa, circunstância e chave de ouro. Erguem-se as taças, comem-se as passas, deitam-se os foguetes e apanham-se a canas. A festa acaba. E depois? Depois vem a ressaca, não a do alcool, que essa evapora depressa, mas a de que tudo ficou com era, que, afinal, mudado o calendário, transposta a porta de um novo ano, para além dessa aparente rutura, nada mudou, nada se transformou, num passe de mágica juntamente com as luzes do fogo de artificio, o frissom do champanhe e o glitter do glamour da derradeira noite.
Janeiro é um mês com tanto de sedutor como de enganador. Traz o frio maior, tantas vezes a chuva que persiste, que não desiste, embrulhada em dias cinzentos, tristes, pardacentos, dias que nos derrotam à partida, por muito que nos empenhemos em gostar de todos, mesmo os que não nos sorriem mal nos levantamos da cama. Janeiro é um mês amuado, resmungão, mal disposto, consigo e com os outros. Janeiro parece atacado da frustração de não ter uma varinha de condão para mudar o seu próprio triste destino, de logo à nascença não gostarem muito de si e o culparem de tudo. Janeiro enruga-nos a pele e só nos faz suspirar pelo sal do Verão. Depois, sedutor, tem dias em que se envolve de charme, em que puxa para si o astro-rei como se o comandasse por cordéis. Marioneta nas suas mãos, o sol brilha, aquece e convida-nos a acreditar que fica, que afinal quase tudo o que traçámos para o nosso novo caminho é tangível, já ali, ao virar da esquina. Mas não. Janeiro tem a chancela da hibernação, do estado aparentemente letárgico da vida, em que nada parece acontecer, em que nada se faz ou ilumina, a não ser por efémeros instantes. Janeiro é desconcertante, sobretudo para quem espera que ele faça por si só o que não temos paciência, força ou fé para fazer acontecer. Janeiro castra, sobretudo quando semeando não temos paciência para perceber que só germinando a semente pode crescer. Janeiro deixa-nos carentes mas a maioria das vezes é implacável e nega-nos o colo. Em Janeiro temos de aprender a enfrentar os medos sozinhos e temos de ser mais fortes. Janeiro tem um feitio difícil para quem não percebe as identidades nostálgicas e guerreiras, como a sua. Por ser o primeiro, Janeiro é o mais velho dos meses. Há que saber compreende-lo, como se compreende a um Sábio. Janeiro comunica connosco por parábolas complexas mas ricas. Ricas em ensinamentos e em fermento. O fermento de que é feita a vida. Do tempo que é necessário para levedar, sabem as árvores. Se não gostam de Janeiro, observem-nas. Têm discretos recados nas pontas dos dedos. Escutem-nas. Mesmo estando expostas e nuas elas sabem que Janeiro termina. Que Janeiro, como tudo na vida, tem principio, meio e fim. E que não é o fim do mundo.