21.8.12

Morrer é só não ser visto






Durante três anos, por motivos profissionais, trabalhei muito perto da morte. No caso, o desafio, se assim lhe podemos chamar, era prolongar o tempo de vida com qualidade da mesma. Por nós -  por toda a equipa - passaram "casos perdidos" que ressuscitámos, mas passaram também despedidas. Passaram famílias ansiosas, atentas, presentes, e outras nem tanto. Passaram pessoas a quem ajudámos a fazer a passagem, da forma mais nobre e tranquila que conseguimos.

Podendo parecer assustador ou mesmo macabro a quem me lê, privar de tão perto com a morte, foi um imenso privilégio. É verdade que me ajuda o facto de sempre a ter considerado uma inevitabilidade. Há muito que acho que em relação a ela a nossa missão, mais do que aceitar, é aprender a gerir como uma imprevisibilidade, totalmente fora do nosso controlo. Como animais controladores que nascemos, e somos estimulados pelas sociedades modernas a ser, gerir a imprevisibilidade é, sem dúvida, um dos maiores desafios do homem actual. No primado da tecnologia, estamos em todo lado a todo o tempo, nada escapa ao nosso controlo sensorial... excepto a morte que, quer queiramos quer não, sempre nos trocará as voltas. Talvez por isso se fale cada vez menos dela. Talvez assim se negue a nossa própria existência...

Privar com a morte é ficar mais perto da vida. Mais perto da essência do que somos, daquilo a que viemos e escolhemos. É ficar mais perto do limite e aprender a dar valor aos dias e a contar de outra forma as horas, os minutos, os segundos. É viver de perto a consciência de que quem parte segue caminho e que quem fica, por algum tempo, fica apenas a sobreviver. É interiorizar a dimensão da dor mas também ganhar a dimensão da esperança. E a rendição inevitável ao maior despojamento que nos é proposto em vida - deixar partir, muitas vezes sem apelo nem agravo, quem mais se ama.

Inês de Barros Baptista, autora do livro acima, foi um dia de forma tão inesperada como incontrolável, surpreendida por uma partida da vida. Do seu luto resultou um caminho, uma busca e muitas respostas.
Quem, como eu, a acompanhava no editorial da revista Pais&Filhos de que era diretora ao tempo dos factos, sabe bem do que falo. 
No seu caminho, Inês de Barros Baptista emocionou muita gente, e inspirou e ajudou outra tanta.

Alguns anos passados sobre o acontecimento, lançou este livro e não consigo recordar se o Pai Natal satisfez o meu pedido na carta que sempre lhe endereço com os livros e discos pedidos, no  Natal de 2011 ou no anterior. Sei apenas que há muito que esta leitura andava adiada, não por receio ou falta de interesse, mas porque outras folhas se entremearam, entretanto.

Morrer é só não ser visto não é um livro sobre morte, mas sobre a vida. Sobre o impacto que a vida de quem parte teve e tem sobre quem fica e sobre como a vida se transforma para os que lhe sobrevivem.
É um livro de relatos reais, cada um num registo próprio e ímpar. É um livro que comove mas, sobretudo, atrai pela forma clara, ínequívoca e simultaneamente bonita como está escrito. E, se querem a minha opinião, por todas as razões, este é um livro que todos devíamos ler um dia.

Terminei de o ler durante as férias e há algum tempo que me apetecia ter partilhado esta reflexão por aqui. Escolhi fazê-lo hoje, por ser o dia em que a minha avó querida faria 81 anos. Porque não a posso ver, mas vou sempre sentir. E essa é uma certeza, que trago comigo. Morrer é só não ser visto. E sei que estás bem, avó.






13 comentários:

  1. Obrigada por esta partilha. Faz amanhã duas semanas que perdi a minha avó. Quem sabe se não será uma boa altura para o ler.

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  2. Vou ler esse livro, concerteza. Obrigada pela partilha. O meu sogro, infelizmente, está muito doente. A minha avó partiu sem que me despedisse dela convenientemente.
    Ainda não sei encarar a morte nem tirar partido positivamente dela. Acho-a sempre negativa.
    Beijinhos
    Se não te importares, vou transcrever uns excertos dessas tuas reflexões.

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  3. @unkkown, obrigada!

    @Imensidão dos dias, lamento :(. Quanto ao momento não sei, mas o teu coração saberá. Um beijinho grande

    @Aline, é como digo, acho que de uma forma ou de outra, cada um de nós pelas suas razões - e não necessariamente por ter passado ou estar a passar por perdas próximas - devia ler este livro.
    Acho que vais gostar de ler.
    A minha avó partiu há 7 anos. Foi uma partida que não era esperada, ainda tinha muito para viver, mas aceitei, talvez porque felizmente. sei que estive lá, até ao último momento.
    Obrigada pela tua partilha, isso sim. Vou agora espreitar :)

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  4. Nossa como essa passagem me tocou "Morrer é só não ser visto não é um livro sobre morte, mas sobre a vida. Sobre o impacto que a vida de quem parte teve e tem sobre quem fica e sobre como a vida se transforma para os que lhe sobrevivem." Estou passando por esse terrivel momento, pois perdi minha irma a pouco tempo. Como e dificil se acostumar com a perda...

    http://deliciosarotina.blogspot.com.br

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  5. Li-o num dia.
    Aconselho-o, vivamente.
    Tu, minha doce M. sabes as razões.

    Não vimos, mas sentimos TANTOOO...

    Um beijo meu, M.
    (puseste-me de bólitas a rolar pela cara, dizem que fico com os olhos "bonitos")

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  6. @ Monica, lamento. Lamento muito. Por muita fé que se tenha, a saudade é sempre incontornavel e exige adaptação. Força!

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  7. Sei, minha querida Miudaaa, sei sim, mas sei também tudo o que sentimos e que sabemos que por muito que vá além da razão é garantido pelo coração.

    Não o li num dia, mas li num abrir e fechar de olhos. De tão duro e bonito, de tão verdade!

    Abraço-te essa lágrima com um sorriso terno e cumplice de bem-te-quero

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  8. Faz precisamente hoje (noite de 29 de Agosto) três anos que recebi o telefonema mais duro da minha vida. A minha mãe sofreu um acidente e foi levada em estado grave para o hospital. Uma semana depois perdia a pessoa mais especial, mais maravilhosa, mais genuína, mais bondosa...Fará sempre parte daquele grupo de pessoas maravilhosas que designo de: “Cometas brilhantes": passam pelas nossas vidas e enchem o nosso coração de luz. Foi, é e será sempre a pessoa que mais admiro e mais amo.

    Quando o médico me disse que a ciência não podia fazer mais nada...desesperei, questionei, desacreditei...
    Nos dias seguintes era este o meu estado de alma: http://butterfliesehurricanes.blogspot.pt/2012/07/cartas-que-escrevi-1-julho-de-2010.html
    Foi então que comecei a ter uma necessidade incontrolável de ler, ler,ler...sobre a morte. Foi então que me cruzei com este livro. Li-o num ápice. Ajudou-me no processo de luto...Li e reli algumas "histórias". A do Duarte,a da marta e da Joana marcaram-me particularmente.

    Hoje, posso dizer que nada se esquece. O que é preciso é deixar correr o coração de lembrança em lembrança até ele se acalmar.
    E, um dia, as lembranças deixam de nos magoar… Confortam-nos.

    Hoje, o meu estado de alma é este http://butterfliesehurricanes.blogspot.pt/2012/08/hoje-deste-me-um-beijo-e-eu-acordei.html

    "Se escuto, eu te oiço a passada
    existir como eu existo"

    Desculpe este abuso.
    Beijinho e obrigada pelo maravilhoso blog.

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  9. Uma boa descoberta, aliás duas. A do seu blog e este livro que desconhecia por completo. E tudo isto na altura em que mais preciso. Perdi a minha mãe em Dezembro, três meses após o meu casamento. E agora em Junho vi partir o meu pai. Estou a aprender a aceitar, e parece-me que este livro será muito útil.

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  10. @Liliana, só hoje, ao regressar a este post vi que apesar de a ter lido, não comentei o que aqui partilhou. Peço desculpa... por vezes adia-se a resposta e acaba por nos escapar.

    As perdas irreparáveis empurram-nos para um caminho tão duro quanto rico. Assim consigamos dar espaço a essa busca e enriquecimento. O seu é mais um testemunho que confirma que este livro cumpre essa nobre missão.

    Obrigada pela sua partilha. Fico feliz pelo caminho que percorreu.

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  11. @Dina, repito o que disse á Liliana... o seu comentário foi igualmente lido, mas a resposta nunca chegou a acontecer. Felizmente, o post de hoje trouxe-me de regresso aqui e pude reparar essa falha.

    Muito obrigada pelas suas palavras e pela sua partilha.
    Espero que o caminho percorrido de Agosto até aqui se tenha feito de forma tão serena quanto possível.

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  12. Anónimo22.10.12

    Linda, espero um dia tambem poder ler.
    Espero que tenhas encontrado conforto para a falta da tua avó e pensa que não é possível controlar tudo o que nos rodea e que nem por isso nos podemos culpar,nem tudo é como desejamos, isso sim passo-te o meu pensamento para viver mais confortavel neste Mundo "As pessoas só morrem quando as matas dentro de ti, no caso contrario vivem no teu coração e nas tuas recordações".

    Um beijo

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