A M. gosta de ir ao cinema por isso, quando vou sem ela, tento escolher um filme que não fizesse parte da sua lista de interesses. Não é fácil, porque para quem viu filmes como Quem quer ser milionário, O rapaz de pijama às riscas, e tantos outros, com o interesse, sagacidade e inteligência emocional com que ela os viu, excluir bons filmes da sua lista é uma tarefa ingrata.
Feita a pesquisa prévia, hoje tinha decidido ir ver A última estação. Embora sendo uma excelente produção e um relato histórico, calculava que não estivesse no topo da sua lista. Já me fez saber que quer ver O Turista.
No entanto, enquanto aguardava na fila, uma imagem trouxe-me à memória uma conversa recente que a minha mãe tivera comigo, falando-me de um filme que "ressuscitava" Jaques Tati.
No entanto, enquanto aguardava na fila, uma imagem trouxe-me à memória uma conversa recente que a minha mãe tivera comigo, falando-me de um filme que "ressuscitava" Jaques Tati.
Jaques Tati ou melhor Sr. Hullot, fez parte da minha infância. Conheci-o pela mão dos meus pais, nas tardes de cinema em que um filme também servia para explicar a diferença entre uma sala de cinema e a nossa sala de estar em casa, onde aprendi que as perguntas ou comentários se segredam aos ouvidos e não em voz alta e que os pacotes de Maltesers [luxos de tardes de cinema] se comiam sem fazer restolhar a embalagem, por respeito àqueles com que compartíamos o espaço.* E se, só por si, isso não fez de mim uma adulta mais culta, fez de mim, seguramente, uma criança muito mais rica. Mais rica por ter privado com o deliciosamente inteligente humor de Jaques Tati e por ter tido pais que me ladearam a infância, ensinando-me que, sendo os mesmos, não nos comportamos da mesma forma, em todas as circunstâncias.
A semana passada, a minha mãe falou-me deste filme. Passados cerca de 30 anos sobre a sua morte, Jaques Tati regressa ao cinema pela mão de um guião de uma parte escondida da sua vida. Dedicado a uma filha que nunca assumiu, o argumento tenta reconciliar a consciência do seu autor com aquilo que não conseguiu fazer um dia.
Mergulhados numa luxuosa ilustração animada [animação é outra coisa], reencontramos o passo hesitante, desastrado e levemente autista com que caminhava, a maior parte do tempo, em bicos de pés. O seu expressivo e tantas vezes desconcertante jogo mímico. Os seus silenciosos, quase alienados, monólogos com o mundo.
Neste filme, um Mágico Jaques Tati regressa para dar à sua filha escondida tudo o que não teve coragem ao longo da vida. Ainda assim, não quer que ela se iluda. Não existem mágicos. Ele sabe que uma infância não se resgata num golpe de perlimpimpim, como uma coelho da cartola.
Pela minha parte, acredito que só não há mágicos quando confundimos a ilusão com a magia da vida.
Pela minha parte, acredito que só não há mágicos quando confundimos a ilusão com a magia da vida.
Podia falar muito mais, mas não quero. Mergulhar num filme desta dimensão, sem legendas, é o melhor apelo à imaginação e às emoções. Além disso, acredito que é na ausência de palavras que melhor se lêem as entrelinhas.
Fica apenas um conselho: pertencendo à categoria de animação, não é um filme de desenhos animados. Compreende-se que a classificação seja para maiores de 6 anos. Mas o que para certas idades pode ser um deleite com a arte, para outras pode não passar de uma maçadora e monótona sessão de cinema.
Fica um aperitivo...
*apenas uma curiosidade: ao meu lado sentou-se uma proeminente e jovem escultora da nossa praça. aparentemente, parece ter esquecido o que os seus pais, certamente, terão tido a preocupação de lhe explicar sobre os pacotes de Maltesers. o facto percebeu-se nas pipocas que hoje comia. Souto de Moura também lá estava, mas como não ficou ao meu lado, não posso falar da sua relação com os pacotinhos...
Querida M.,
ResponderEliminarGostava muito de ir ver este filme, agora fiquei ainda com mais vontade.
Para mim cinema é a seco mesmo, sem bebidas, pipocas, maltesers ou o quer que seja, muito embora a ideia de ver cinema e comer chocolates ao mesmo tempo é um 2 em 1 perfeito ;)
Beijocas
Querida Margarida, aguçaste-me o apetite... a não perder sem dúvida. O Sr. Hullot faz também parte do meu imaginário e de repente senti-me remetida para outros tempos e outros lugares. Obrigada e beijinhos :)
ResponderEliminarT querida,
ResponderEliminarNão percas, mesmo! Eu gosto de ir ao cinema com um belo balde de pipocas salgadas - o que ontem nem fiz porque tinha acabado de jantar e não cabia mais nada - mas assim como não incomodo, não gosto de ser incomodada com aquela barulheira que o pessoal faz, como se tivesse na tasca :/
Beijo grande, linda.
Querida Manuela,
ResponderEliminarSe fez parte, é um motivo acrescido para não perderes. E sabendo a história que está por trás do argumento, o filme fica ainda mais comovente.
Beijinho e uma boa semana!