Sei que uma boa parte - senão mesmo a maior parte - não gosta de o fazer. Mas eu, descendente de uma linhagem de gente com vidas simples e casas pequeninas, sempre conheci as mulheres da minha família a cuidarem da casa. Assim como a minha avó, a minha mãe e eu nunca tivemos empregada. Minto! A minha mãe teve uma, durante algum tempo. A verdade é que a empregada era uma amiga de longa data a quem dava jeito um dinheiro extra. A minha mãe deixava quase tudo feito e quando chegava do trabalho ficavam as duas na palheta. Ainda hoje são amigas - a amiga da minha mãe é bem mais velha e mora longe - mas quando falam ainda riem das conversas e peripécias daqueles tempos.
Sempre gostei de tratar da minha casa. Mesmo quando tinha gato - e sim, tinha gato mas a minha casa não tinha pêlos; mesmo quando a M. nasceu e o gato permaneceu - e sim, tinha um bebé e um gato e a casa não tinha pêlos e sim, ia dando em doida; mesmo quando durante três anos trabalhei de quinze em quinze dias ao fim de semana - e sim, era mesmo o fim de semana, domingo incluído - mesmo nesse tempo, nunca tive empregada e mesmo não deixando de ser verdade que em alguns momentos tivesse sido uma providencial ajuda, optei sempre por organizar-me para conseguir manter tudo em ordem e investir - leia-se, gastar! - o chorudo ordenado de uma em outras coisas mais interessantes. E se sempre foi assim quando éramos três mais o gato, mas fácil foi manter quando passámos a duas, sendo que uma só está de oito em oito dias.
Sempre gostei de chegar a casa e ser recebida como se fosse eu própria uma visita. Dizem-me que é dificil, que não se consegue, que a coisa complica com a rotina do dia a dia. Talvez, não sou dona de outra verdade que não a minha. Mas na minha verdade e na minha vida, não sendo sempre fácil - e houve fases em que foi muuuuuito dificil - é sempre possível. Valha-me o método de não deixar para daqui a cinco minutos o que posso fazer no segundo seguinte. Valha-me ter nascido abençoada com um sentido de organização inato. Mas valha-me também - e muito! - Santa Disciplina. Essa sim, não é amiga fácil, se não soubermos lidar com ela. E eu, graças à forma como fui criada, aos exemplos que tive e ao meu lado que pisca o olho à missão militar, dou-me muito bem com a piquena. É talvez isso, para além do carinho e gosto que tenho pelo espaço que me acolhe todos os dias, a minha maior safa.
Vem tudo isto a propósito das limpezas de Primavera que hoje ocuparam o dia. Os preparativos começaram na segunda feira e foram durando a semana... retirar e lavar cortinados, almofadas, separar roupas com demasiado tempo de pousio... E por muito que tratar de uma casa tão pequena como a minha faça parte da rotina diária, porque faz, e por muito que não tenha o hábito de encher gavetas de coisas pendentes, porque não tenho, e por muito que o essencial esteja sempre, sempre em dia, a verdade é que as limpezas de Primavera conseguem sempre trazer à superfície uma quantidade inesperada de coisas que pedem mudança. A maior parte, para outras paragens, para pessoas a quem possam fazer falta, porque estão em excelente estado e em perfeitas condições de uso, mas algumas diretamente para o caixote do lixo.
O melhor de tudo, nestas limpezas sazonais, é conversar com os cantos e ter um olhar crítico sobre o espaço e como ele se ocupa. O que mais gosto nestes dias, para além do cheiro a cera e de casa profundamente cuidada, é de repensar a forma como me arrumo. Tão fundamental dentro destas quatro paredes como nas paredes do meu corpo, mente e alma. Uns e outros, entreajudam-se e complementam-se.
É por tudo isto, que vai muito além do cansaço que dá - porque dá, lá isso dá, não haja dúvidas! - que ter uma empregada continua a ser um objeto de luxo de que facilmente abdico na minha vida. Este prazer imenso de, depois da tareia do dia, tomar um banho quente e ficar a apreciar o resultado do meu esforço dá-me um prazer imenso e não tem preço. Mas isto sou eu, bem sei, que aos olhos da maioria resvalo entre o doida e o heroína.
Apesar de tudo e de um verdadeiro dia de oito horas de trabalho, a tarefa ainda não ficou concluída. Mas como sou disciplinada e não masoquista, amanhã há mais. Para mim, quando se é cumpridor, amanhã, também é dia!