Há muito que eu e tu, Cidade, temos uma relação em rotura. São raros os dias em que namoramos, em que nos encantamos, em que nos seduzimos e em que temos momentos cúmplices. Andamos de costas voltadas e por tudo e por nada há amuos. Por vezes encontramo-nos numa esquina mais resguardada onde se faz silêncio por breves instantes, numa fachada de um edifício antigo por onde se cruza o sol, numa esplanada com vista para o rio, e aconchegamo-nos uma na outra, num gesto que nos reconcilia. Sol de pouca dura. Cada vez andamos mais desencontradas e o ritmo que te alucina e alicia, em mim causa claustrofobia. Desencantámo-nos uma da outra e a pacifica coexistência é feita, para ambas, em linha reta com o pensamento um dia atrás do outro.
Dou por mim de olhar preso na cortina. Dança ao sabor do vento quente, que entra sem cerimónia pelo quarto, coado pelo seu leve pano branco. O seu gesto lânguido, prenho de tempo, transporta-me para a paz de outros ritos e ritmos que te são distantes e desconhecidos. Leva-me para os dias leves do campo, para a doçura de uma planicie onde o burburinho exterior é feito da conversa dos pássaros, da música dos insetos, da melodia do vento entre as folhas, de um fio de água que corre para um tanque, ou do ressoar longínquo de vozes simples. De risos felizes.
Depois há o silêncio, aquele que recrio, aquele que me resguarda de ti, Cidade de que me desencontro, e que me faz caminhar a passos largos por entre as horas dos dias, para regressar depressa ao meu ponto de refúgio. Ao meu porto de abrigo.
Não gosto de ti Cidade e há muito que não te o escondo. Vale-te a sorte de te habitarem os que amo e me ancoram à tua estranha forma de vida. Estás longe de mim, da minha Essência. Bem sabes, Tu que és tão vivida, sem a identidade que gera a cumplicidade, não há Amor que sobreviva.
Já tinha uma saudade imensa de te ler. Sempre perfeita na escrita. Gosto da minha cidade é uma das cidades mais belas que conheço, agora noto nas gentes o olhar triste, ou o perigo nas noites, mas não deixo de a amar. Quando depois de um período longo regresso a Lisboa, os cheiros, a luminosidade, o Tejo deixam-me feliz.
ResponderEliminarBeijinho de coração.
texto bonito. triste, mas bonito. talvez o aviso que é altura de mudar ;)
ResponderEliminarum beijinho*
muito bonito este texto. também gosto dos encantos fora da cidade mas Lisboa faz parte de mim e eu gosto muito desta cidade. os meus olhos vêem outras coisas e deixam que o menos bom se torne um pormenor. bj
ResponderEliminarNão duvido que gostes desta cidade de que te sentes tão distante. Mas será certamente um sentimento menor daquele que tens por "aquele lugar" em que te sentes mais perto de ti. Uma voz de mudança, talvez.
ResponderEliminarUm beijinho grande Margarida
AC querida, minha Amiga.
ResponderEliminarBem sabes que também gosto desta cidade, por isso gosto de lhe conhecer cantos novos, o que hoje em dia não é nada dificil.
Mas uma coisa é gostar, outra é amar. E amar amo os lugares onde fico mais perto da minha essência. E esses são distantes desta vertigem citadina.
Em breve partilhamos um chá por esta cidade que é cúmplice dos nossos encontros. Beijo grande!
Ana, sempre foi altura de mudar. Mas a mudança tem ficado adiada, por muitos motivos. Quem sabe se o maior deles não acabe por ser alguma dose encapotada de cobardia...
ResponderEliminarUm beijinho!
Andorinha,
ResponderEliminarEsta cidade merece cada vez mais que a namoremos, porque está de facto cada vez mais bonita. Mas ser turista nela, basta-me. Será sempre com enorme prazer e regularidade que a visitarei se um dia a deixar.
Um beijinho!
querida Helena,
ResponderEliminarÉ exatemente isso!
Há dias em que mudar vai muito além de um desejo. Torna-se uma urgência...
Um beijinho!