7.8.24

Morremos como vivemos

 


Esta foi, provavelmente, a frase mais impactante para mim, no que se refere a uma síntese muito pragmática, e simultaneamente sábia, sobre o fim da vida.

Infelizmente, sei-o por experiências próximas. E digo infelizmente, não pela negação da morte, mas pela tristeza de ter visto partir desta vida duas das pessoas mais importantes e próximas de formas que não foram de todo pacíficas. Por muitas razões, não me alongarei nos detalhes destas duas histórias, mas sei quanto são reflexão, integração e conhecimento empírico da profundidade desta frase: morremos como vivemos. Ponto final.

Naquele que é, seguramente, o tema mais tabu da sociedade ocidental - ainda tão cheia de temas tabu, em que a sexualidade ou a saúde mental são apenas mais dois deles no meio de um infindável rol de outros assuntos que continuamos a varrer para debaixo do tapete ou a fechar em cantos de armários escuros - importa cada mais reforçar que, sendo a morte inevitável para tudo o que vive, é na forma como escolhemos viver que ela se alimenta e se suporta. Falo, claro está, da forma como nos cuidamos, integralmente, ao longo da vida. Das escolhas que fazemos, desde o que comemos até às pessoas que nos rodeiam, passando pelas ações ou omissões a todos os níveis. A escala não está na definição de vidas perfeitas. Antes pelo contrário, está na escolha genuína e consciente do que queremos para nós. 

Já praticamente ninguém põe em causa a máxima "somos o que comemos" mas, no que toca às decisões de fundo sobre a forma como vivemos, parecemos insistir na negação da relação direta que têm com o desenrolar do fim de vida. 

Este ano, num dos muitos objetivos que tracei para a minha vida e para o meu desenvolvimento pessoal, inscrevi-me num curso de doula de fim de vida. Eis que muitos abanam, ao ler esta designação! Que coisa mórbida, excêntrica ou tétrica será esta, em que se fala, estuda, analisa e integra a morte, como uma parte indissociável da vida?... A quem se questione, deixo o espírito de pesquisa e descoberta por si. A função desta partilha não é, de todo, essa. As razão deste texto é outra, mais profunda e ao mesmo tempo mais simples. É fruto de um caminho de crescimento e de certezas e sim, também, de muitos silêncios povoados de ruídos internos que pedem para ser escutados (agosto parece ser, há muito na minha vida, o mês privilegiado para estas escutas internas) Há todo um caminho menos percorrido por todos os que me antecederam e que não pretendo deixar como legado para os que me sucederem... 

Esta fotografia não é de um banco de imagens. Entre todos os que nela posam, dois estão ainda vivos (que bom, querida tia e querido tio!). Os que já partiram, estão bem presentes em todos nós. Seja pelo ADN herdado, seja pelas histórias vividas, mesmo na sua ausência. Dispenderia algumas horas a discorrer sobre tantas coisas possíveis de partilhar sobre como cada um deles, mesmo os que não conheci, como o o meu bisavô e a tia mais nova que morreu, pouco tempo depois desta fotografia ter sido tirada pelo meu avô, o filho mais velho desta prol.  Todos eles têm uma história vivida ou escutada, que vive dentro de mim. 

Sim, sou orgulhosamente descendente de uma linhagem rural, em ambos os lados da família. E sou capaz de identificar cada célula dessa prodigiosa herança na forma como tenho vivido. É também cada um dos seus elementos que me faz escolher em consciência o caminho que quero continuar a percorrer. Olhar e honrar, sobretudo não esquecer. Sem conectarmos todos os pontos da nossa imensa e riquíssima história somos pouco mais do que um ponto perdido no nosso próprio mapa. Mas há quem teime em duvidar desta simples evidência...

Morremos como vivemos. Metáfora? Poesia? Seja. Para mim, certamente, a escolha de um caminho cada vez mais leve no dia a dia para que a vida, em vez de ser breve ou desperdiçada, seja tão longa, proveitosa e prazerosa quanto possível. Já diz a música... Solo se vive una vez (pelo menos, até ver).

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