Ao contrário de uma boa parte das adolescentes, desde há algumas gerações a esta parte, nunca sonhei ser modelo, atriz ou cantora. Nas artes, sonhei ser bailarina, mas fiquei pelo sonho, em nome de um curso como manda o figurino, do qual me divorciei há uns bons anos por total incompatibilidade de feitios. Estava escrito nas estrelas, mas tive de fazer o caminho.
Sempre gostei de trapos, é bem verdade, coisa que terei herdado da minha mãe, que herdou da sua mãe que não sei de quem terá herdado. Depois de ficar viúva (o que aconteceu relativamente cedo), a minha avó materna preencheu todo o guarda fato com roupa sua. Uns anos mais tarde, comprou outro, porque aquele era pequeno para a roupa que lá crescia. Mas não é bem isto que vem ao caso.
Dizia eu, que mesmo sempre tendo gostado e muito de moda e de roupa, nunca me passou pela cabeça a ideia de ser modelo ou meter-me em andanças desse mundo. Lo mío, como diriam nuestros hermanos, lo mío siempre ha sido o da fotografia, da harmonia, da forma, da estética e da cor. E nesse campo, acima de tudo e sobretudo, captar lugares e momentos. E guardar a alma das pessoas.
Se é verdade que uma boa dose de criatividade veio gravada no meu ADN e que sempre foi, e muito, através dela que comuniquei com o mundo, a fotografia veio igualmente entranhada nos genes, genes esses que terei herdado do meu avô materno que desde muito cedo a ela se rendeu.
Se é verdade que uma boa dose de criatividade veio gravada no meu ADN e que sempre foi, e muito, através dela que comuniquei com o mundo, a fotografia veio igualmente entranhada nos genes, genes esses que terei herdado do meu avô materno que desde muito cedo a ela se rendeu.
E eu, que cresci a ver caixas de fotografias de pequenos formatos, de moldura recortada, em sépia e a preto e branco, desde cedo me rendi igualmente à evidência de que brincar com a vida se fazia também, e muito, através da lente.
Corria o ano de 1989, ano em que fiz o acesso ao ensino superior e entrei na Faculdade de Direito. Como se percebe no que as imagens contam abaixo, não tivesse eu ignorado os claros sinais de que não ia ser uma carreira fulgurante, talvez tivesse tido a lucidez de perceber que só nos realiza verdadeiramente na vida profissional o que nos faz felizes e nos diverte. Felizmente, dez anos mais tarde, atalhei caminho e ainda fui a tempo.
A "coisa" deu-se uma manhã inteira, entre um corrupio de veste e despe e muita produção cénica. No chão, uma ventoinha encarregava-se dos efeitos esvoaçantes sempre que necessário. A música, que não se ouve, proporcionava o clima perfeito a cada disparo. A máquina era a fabulosa Olimpus do meu pai, Vivíamos na era analógica. Melhor dito, na era dos rolos e o sucesso da empreitada ficava à distância da revelação.
Havia rolos de 12, de 24 e de 36 fotos. Lá em casa só se usava Kodak e a excitação - porque a pós-visualização era ainda coisa da esfera da ficção cientifica - era aguardar pela reprodução em estúdio e mais tarde na máquina, para nos certificarmos se tudo tinha ficado como queríamos. Recordo tão bem quantas vezes disse à minha mãe em férias ou passeios "se esta ficar como eu a vi, vai ficar um espetáculo!", antecipando o gozo que me daria rever a cena que congelara no negativo. E a verdade é que, num rolo inteiro, muito raramente havia fotografias que não estivessem bem conseguidas.
Outra coisa que sempre me deu um gozo bestial foi criar a minha moda e transformar a minha roupa de forma totalmente personalizada. Na época, além do Eça, do MEC e da Rita Ferro, também lia a Madame Figaro de onde bebia uma boa dose de inspiração. A sorte nestas coisas era ter uma avó costureira e a mãe de uma amiga que era só a melhor modista de todos os tempos, mesmo ao virar da esquina.
Havia rolos de 12, de 24 e de 36 fotos. Lá em casa só se usava Kodak e a excitação - porque a pós-visualização era ainda coisa da esfera da ficção cientifica - era aguardar pela reprodução em estúdio e mais tarde na máquina, para nos certificarmos se tudo tinha ficado como queríamos. Recordo tão bem quantas vezes disse à minha mãe em férias ou passeios "se esta ficar como eu a vi, vai ficar um espetáculo!", antecipando o gozo que me daria rever a cena que congelara no negativo. E a verdade é que, num rolo inteiro, muito raramente havia fotografias que não estivessem bem conseguidas.
Outra coisa que sempre me deu um gozo bestial foi criar a minha moda e transformar a minha roupa de forma totalmente personalizada. Na época, além do Eça, do MEC e da Rita Ferro, também lia a Madame Figaro de onde bebia uma boa dose de inspiração. A sorte nestas coisas era ter uma avó costureira e a mãe de uma amiga que era só a melhor modista de todos os tempos, mesmo ao virar da esquina.
Os outros dois protagonistas desta história contada em imagens eram vizinhos do prédio do lado.
Ela, mais nova do que eu uns dois ou três anos. Ele um doce miúdo com problemas auditivos graves. Perdi o rasto a poucas pessoas que tenham sido importantes para mim ao longo dos anos. Mas um divórcio atribulado levou-os para Macau. Anos mais tarde, a ele, para Londres. A última noticia que recebi deste menino, já homem mas ainda jovem, foi de que já era pai, mas com um diagnóstico fatal de uma doença implacável instalada num lugar sórdido. Não sei até hoje se sobreviveu. Temo que não. E até hoje, nem o Facebook, que a tudo e todos reencontra, nos juntou.
Memórias de um dia diferente de todos os outros e que no fundo, hoje, são muito mais do que isso. São a cristalização de uma época, das suas peculiaridades, dos seus encantos e das suas limitações. Esse é e sempre foi para mim o grande encanto da imagem retida. A lente é uma sábia contadora de histórias. E na altura ainda não mentia.
Eu tinha 18 anos quase acabados de fazer. Passaram 26. Foi há uma vida!
Os calções foram mandados fazer por mim, com verdadeira chita da Provença, comprada na memorável loja Souleiado, no Largo do Carmo. Com um resto do tecido, ainda mandei fazer uma carcela num pólo azul escuro gasto, do meu pai, que usava para fazer conjunto. Os tecidos desta loja eram de fazer perder a cabeça!
A pulseira, de madeira pintada, sobrevive até hoje.
Vestido de malha em tubo, da Benetton, posteriormente adaptado por mim com manga e folho duplo de bolinhas (pois é verdade, as bolinhas também são caso sério muito antigo). Rosa vermelha em organza, comprada numa retrosaria da Rua da Conceição, que também usava muitas vezes junto ao decote dos camiseiros brancos de gola redonda.
Blusão mandado bordar por mim com o abecedário, naquelas famosas lojas que bordavam os nomes nas toalhas turcas. Moda para lá de linda e romântica, com direito a bordados "Ele" e "Ela" nas toalhas de bidé.
E o que me arrependo de ter dado esta écharpe que está a fazer de laço?... Comprada nos belos dos Preciados em Badajoz, tinha outra igual em preto.
Ela, mais nova do que eu uns dois ou três anos. Ele um doce miúdo com problemas auditivos graves. Perdi o rasto a poucas pessoas que tenham sido importantes para mim ao longo dos anos. Mas um divórcio atribulado levou-os para Macau. Anos mais tarde, a ele, para Londres. A última noticia que recebi deste menino, já homem mas ainda jovem, foi de que já era pai, mas com um diagnóstico fatal de uma doença implacável instalada num lugar sórdido. Não sei até hoje se sobreviveu. Temo que não. E até hoje, nem o Facebook, que a tudo e todos reencontra, nos juntou.
Memórias de um dia diferente de todos os outros e que no fundo, hoje, são muito mais do que isso. São a cristalização de uma época, das suas peculiaridades, dos seus encantos e das suas limitações. Esse é e sempre foi para mim o grande encanto da imagem retida. A lente é uma sábia contadora de histórias. E na altura ainda não mentia.
Eu tinha 18 anos quase acabados de fazer. Passaram 26. Foi há uma vida!
Inspiração United Colors of Benetton... quem não adorava?
Tema marítimo. Um clássico!
A pulseira, de madeira pintada, sobrevive até hoje.
Anita já é crescida e prepara-se para ser Advogada.
Do lado esquerdo, um pólo da Kookai. Do lado direito um tailleur da Benetton
O lado sério e executivo da moça... (na mão, a caneta Sheaffer do pai e no pulso um Timex com corrente e brilhantes que era um must!)
Anita Coquette
Sabem porque é que nunca se vê o chão?...
Porque era de alcatifa e tinha o fio da ventoinha a passar por trás. Clara denúncia de que não estávamos realmente num estúdio!
Cheiro a praia tinha sempre cheiro a creme Nivea.
E não é que o miúdo tinha uma camisola mesmo à marujo?
O que eu adorava esta saia, de finas riscas em azul e branco!!! O pior era dar-lhe o vento...
O vestido era dela. As luvas de renda, "à Madonna", eram minhas.
Casaco da Migacho. Muitos kms fez ele entre mim e a minha mãe! Disputadíssimo!
E quem não se lembra da fase do mobiliário em tubo pintado??? O meu quarto de estudo, estava todo decorado assim. Loucos 80's!
(ora vejam lá agora se não descobrem a alcatifa e o fio da ventoinha...)
Blusão mandado bordar por mim com o abecedário, naquelas famosas lojas que bordavam os nomes nas toalhas turcas. Moda para lá de linda e romântica, com direito a bordados "Ele" e "Ela" nas toalhas de bidé.
E o que me arrependo de ter dado esta écharpe que está a fazer de laço?... Comprada nos belos dos Preciados em Badajoz, tinha outra igual em preto.
E novamente o look United Colors of Benetton. O mundo e as bandeiras!
Look James Bond
(o guião era meu. não há como esquecer)
Brincos feitos por mim, com botões.
O que eu adorava este cabelo!
E a vida tem destas coisas. Foi ao mexer nestas imagens para as fotografar que dei com esta dedicatória de que já não me lembrava.
Ela escrevia poesia e eu já não me recordava.
Pois é, já nessa altura era organizada e arrumadinha.
Não havia fotografia ou negativo que não estivessem cadastrados.
THE END
Fabulosa esta publicação, Margarida! Deliciei-me...
ResponderEliminarBeijinho*
Obrigada. Liliana! :)
EliminarBeijinho
uma preciosidade esta publicação :)
ResponderEliminarUma espécie de regresso ao passado, com viagem guiada ;)
EliminarAmei!
ResponderEliminarJá não passava por esta tua casa, havia muito tempo. :-)
Beijo!
E soube tão bem ter-te a passar por cá outra vez!
EliminarBeijo grande, meu amigo do coração!
Publicação fantástica,
ResponderEliminarcomo te vês ao olhar para estas fotos?
Sabes, embora possa parecer que nestes passeios ao passado há alguma nostalgia da minha parte, a verdade é que não sou do registo " ó tempo, volta para atrás"; à exceção da saudade de algumas (poucas, felizmente) pessoas queridas que já vi partir, gosto de estar onde estou e gosto muito de todo o caminho já percorrido.
EliminarQuando me revejo nestas fotos, acho que no fundo, continuo a ser a mesma miúda. Continuo a ter as mesma convicções e os mesmos valores. Em parte, os mesmos "sonhos". A estrutura e o gosto pela vida continuam a ser iguais, já acredito é em menos coisas do que acreditava, como por exemplo que "as pessoas mudam" ou "as pessoas conseguem sempre fazer mais e melhor", mas a isso, mais do que desencantamento, chamo experiência de vida ;)
adorei... que gira a produção fotográfica e que giro o modelo. Tinhas mesmo jeito miúda.
ResponderEliminaros outros modelos eram bem melhores do que eu, AC ;)
EliminarMaravilha!!!
ResponderEliminarCoisas de Índios e Cowboys ;)
EliminarFiquei com vontade de ir mexer nas minhas memórias.
ResponderEliminarAdorei ver as tuas. Um beijo
Ohhh, vai, vai!! E depois partilha! :)
EliminarBeijo grande, minha querida
Anita e o seu mundo delicioso e colorido :)
ResponderEliminar:) Sempre foi! Sempre foi e é, graças a Buda! :)
EliminarCada vez que vejo as tuas fotos de quando eras uma menina me fazes lembrar que a tua filha é a tua cara ♥
ResponderEliminar"Diz" que sim, Paulinha... diz que sim ;)
EliminarSe dissesses que as ultimas sessões fotográficas tinham sido feitas há uns dias, eu acreditava. E a tua filha é mesmo muito parecida contigo 😉
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